EDP Vilar de Mouros 2017
Vilar de Mouros, Viana do Castelo
24-26 Ago 2017
O festival de Vilar de Mouros, ou pelo menos na sua encarnação actual, nunca poderia levar muita gente a aventurar-se pelo Minho fora. Claro que fazem mal: o Minho é belíssimo, mesmo quando é o negro pós-incêndios a colori-lo. As montanhas surgem ao longe como miragens, a gastronomia aquece corpo e alma. A simpatia está expressa nos rostos de todas as pessoas e talvez seja daí que venha o estereótipo adaptado a Portugal.

Mas nem a beleza do Minho salvou Vilar de Mouros, que não tem feito cartazes para a juventude. É para os que já não o são, ou para os que teimam em sê-lo em espírito. Salvador Sobral não arrasta miúdos; arrasta quem o viu na final da Eurovisão, e mesmo esses não são muitos. Ou, pelo menos, não foram até Vilar de Mouros para o ver cantar brasileiradas (expressão dele), ópera, jazz ou a intragável "Amar Pelos Dois". Sim, o adjectivo é mesmo esse. Como é que uma garganta como a de Salvador Sobral se pôde prestar a tamanho lixo?

Fora essa pedra no sapato, aquilo a que se assistiu no festival foi um concerto de uma anti-diva que guarda mais do que aquilo que mostra realmente. Coadjuvado por uma banda exímia - Júlio Resende, evidentemente, mas também o óptimo contrabaixista André Rosinha e um baterista cujo nome há-de estar no Google -, Salvador Sobral foi-se escondendo do palco, deixando que os "seus" músicos obtivessem um pouco da "sua" spotlight, enquanto canções mais ou menos conhecidas iam sendo debitadas ao longo daquela hora. Eu acho que foi um erro de casting , mas estou muito feliz por estar aqui..., diz a dada altura.

Não foi de todo um erro de casting, mas é verdade que Salvador Sobral merecia duas coisas em Vilar de Mouros: um público maior e um público que se estivesse nas tintas para "Amar Pelos Dois", de forma a que todos os seus dotes como cantor pudessem ser apreciados com a dignidade que merecem, longe do hype que o tem tragado com a sua bocarra. Em espanhol ou em inglês ou em português, o puto até poderá ir longe. Basta arrancar essa mancha do currículo.

Currículo irreconhecível em George Ezra, que parece que tem uma canção qualquer a passar numas rádios quaisquer, e que se estreou em Portugal para entoar canções sobre escape, do amor ou da vida, tanto faz. Entre músicas, é capaz de enveredar pelo country rock, pelo ska ou até mesmo pela folk mais eléctrica. Mesmo com esse ecletismo todo, o seu som é espantosamente inconsequente, e nem uma declaração de amor a Barcelona numa semana pós-atentados o salvou. Quanto aos Capitão Fausto: nada nunca os salvará que não a morte.

Voltando a currículos, isso é coisa que não existe nos Dandy Warhols, que sofrem do mesmo mal de Salvador Sobral: ficaram demasiado presos a uma canção específica, no caso "Bohemian Like You", que parece que levou muita gente a aderir à Vodafone. E é pena. Porque, já a noite ia longa, os norte-americanos deram uma lição de space rock até àqueles que nem fazem ideia do que seja essa merda, psicadelismo afogado em memórias dos 90s, que são memórias dos 70s, guitarras navegando ao sabor do mesmo vento que levou Colombo a descobrir a América.

Aninhados em palco, os Dandy Warhols elevam a sua música a onze, subindo o som como um cometa ou um satélite e descendo como um desejo por pedir, numa atitude rock de deixar água na boca. Por debaixo de um grande hype há sempre uma dúzia de excelentes temas, diria um ditado. Claro que não pôde faltar "Bohemian Like You", mas mesmo essa soou não a tentativa de nos vender telemóveis mas sim a precursor de todas as trips do mundo. Que é o mundo da publicidade comparado com a drogaria?
· 29 Ago 2017 · 22:33 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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