Lisboa Electrónica - Musiculture
Lx Factory, Lisboa
12- Mai 2017
Tudo começou nas raves. Ou talvez não: tudo começou anos antes, em Detroit, pelas mãos de um grupo de jovens negros à procura de uma música nova. Ainda mais atrás, começou no disco, no funk, na soul, ou até mesmo com o despertar do universo, num batimento cardíaco único que disparou milhões de estrelas e fez dançar planetas, até que milhões de anos mais tarde o homem se ergue e celebra. A música electrónica de dança forma uma cultura que é património imaterial da humanidade, e vai tendo cada vez mais espaço entre as massas.

Certo é que essas mesmas massas não mostram, na grande maioria das vezes, grande disponibilidade para entender ou pensar essa mesma cultura. O conceito do Lisboa Electrónica era abrangente: apresentá-la através não só da música, mas também dos homens que a fazem e refazem e permitem a sua existência, através das editoras que a disponibilizam, através dos promotores que a colocam no radar. Infelizmente, uma quota parte do público presente no Lx Factory encarou este evento como um simples pretexto para passear os seus sacos da Bershka e sacar umas fotografias à Ponte 25 de Abril enquanto alguém passava techno ao ar livre e os outros palcos estavam estupidamente vazios. Sim, também houve um ou outro pézinho de dança. Mas apenas e só isso: um pé para lá e outro para cá, de forma a não estragar o penteado ou esfrangalhar a roupa. Não sabemos se isto será motivador para a organização do festival, que não tem culpa do público que atraiu. Mas pedimos apenas que não alterem o conceito - caso o Lisboa Electrónica se repita - para algo mais descartável.

Posto isto: escutou-se boa música no festival, ao qual o Bodyspace.net só teve disponibilidade para ir no primeiro dia. Através da Madluv, descobrimos os ritmos nocturno-tropicais de Lewis M., teclista e guitarrista dos Salto que tem neste moniker veículo para um outro tipo de expressão musical. Ouviram-se, ao início da tarde e do festival, vocais exóticos e propícios à hora, cabendo inclusive no set um tema que no original se escreve "ザ・ワードⅡ / セキトウ・シゲオ", e que no mundo indie ocidental é conhecido por dar cor a "Chamber Of Reflection", de Mac DeMarco. O seu colega de editora, Nery, apresentou-se em modo live act para dar a conhecer os temas de 33, álbum editado em Outubro passado, com bateria, teclado e electrónicas a funcionarem numa harmonia quase perfeita para produzir canções próximas de terrenos downtempo, de cariz jazzístico até, em regime mais introspectivo.

Como qualquer bom set, começou-se então de forma mais suave até rebentar; Sebastião Delerue, vulgo De Los Miedos, em representação da Ostra Discos, manteve os níveis de relaxamento no topo com sons oriundos de uma África analógica a aquecerem os poucos ainda presentes na fábrica. Justo: a electrónica sente-se mais à noite e hoje ainda haveria Rødhåd, a umas impossíveis (para nós) quatro horas da madrugada. De aquecimento em aquecimento batemos de frente com Cruz, da Bloop Recordings, e um tech house a fazer as delícias de quem procurava um sunset. E encontramos Daniel Bell, em representação da gigante Tresor, a preparar a pista com agressividade q.b. - não tanta quanto a que teve Mike Huckaby, com um set monstro por onde passaram ritmos a speed e techno duro e próximo do industrial, sem melodia, apenas massa.

Na sala ao lado, picou-se as escolhas da Groovement, primeiro em modo bailarico com recurso, também eles, à África longínqua, alegre e calorosa, e depois numa onda mais próxima do deep house, no que se traduz: melhor música, menos energia (lamentavelmente). House, também, o que mostrou a Tink!, num outro edifício do Lx Factory, sendo que com os atrasos ocorridos não detectámos quem seria o dono dos pratos, àquela hora. Só sabemos que não era Marfox, o qual temos pena de (uma vez mais) não ver. Terá de ficar para uma próxima.
· 17 Mai 2017 · 22:49 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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