Vodafone Paredes de Coura 2016
Paredes de Coura
18-20 Ago 2016
Atentamos ao coração do Alto Minho. Paredes de Coura ou Couraíso, como o marketing o baptizou apesar de o ser há 24 anos, o destino. Dos quatro dias que compuseram o programa das festas deste ano apenas pudemos aceitar a chamada para um par deles. 18 e 20. O espírito de Coura estava lá. Os milhares que todos os anos acorrem às margens do frio Taboão trataram de, uma vez mais, fazer daquele verde esperança formato natura o palco dos sonhos, palco onde pudemos ver uns extraordinários xamanistas do sul dos Estados Unidos da América chamados Algiers, os esquizofrénicos Thee Oh Sees em “full speed straight ahead” ou a trip de James Murphy de sua graça LCD Soundsystem. A estes, junta-se uma nota de destaque para os impenetráveis russos Motorama, os “revolucionários” The Last Internationale ou os bem portugueses Bed Legs cheios de pica e boa vontade nos mostrarem que o rock português está de boa saúde. O cartaz, esse, em nosso entender fica aquém do legado de PdC, fazendo pairar no ar a ideia de que para a Ritmos o festival minhoto se torna, cada vez mais, “a equipa B” da organização em detrimento do NOS Primavera Sound. Quem ama Paredes volta, uma e outra vez, mas convém não violentar demasiado a paciência de quem fez e faz de Coura aquilo que lhe deu o ser; gente proveniente de todo o lado com as suas línguas e sotaques ouvidos que construíam a caleidoscópica micro-vila acampada dentro de Paredes e lhe moldavam a face risonha com que sempre nos abraça.

Dia 18 de Agosto (Whitney, Bed Legs, Algiers, Sleaford Mods, Thee Oh Sees, LCD Soundsystem)

Whitney


O PdC começa, para nós, com os norte-americanos Whitney . A banda de Julien Ehrlich e de Max Kakacek (fundadores) trouxe a Coura o seu primeiro álbum de originais Light Upon The Lake, registo ameno para um final de tarde pachorrento. “Dave´s Song” a abrir para um público que ainda se fazia esperar, conta-gotas parece eufemismo, e que quando apareceu se apressou a refastelar-se na relva e meditou (?) com a mesma lassidão sobre o indie rock/folk dos norte-americanos. Soube bem, mas soube a pouco. Nesse registo psicotrópico a actuação variou para o primevo filho da banda “No Matter Where We Go” não nos levar a lugar algum. Olha-se para um lado, olha-se para outro, e fica-se com a ideia de que os festivaleiros continuam à espera de alguma coisa (muitos bocejos entre a audiência). O quê? Não sabemos… Seguiu-se um momento de alguma comoção com um linguado cheio de ternura entre Julien e Max (registo que poderão ver nas imagens) e a informação que a banda está de directa depois de uma noite bem regada na Invicta. Em suma, ninguém estava para se chatear, nem o público nem a banda. Tempo, ainda, para “No Woman”, “Light Upon the Lake” e “Follow” que arrancando sorrisos e meneares de cabeça ficou-se por ali. O álbum ainda gatinha e a banda sabe-o, daí ou talvez não, ainda ter tempo para no meio de Light Upon The Lake meter com toda a veemência Bob Dylan e a sua “Tonight i'll Be Staying Here With You” ao barulho e que, curiosamente ou não, provocou maior burburinho entre a meia plateia presente.

Bed Legs

Depois da lassidão do concerto anterior era necessário uma bateria a pelo menos 5 km/h, já não se pedia mais… Rápido o pedido, rápido o atendimento. Fernando Fernandes, frontmen retirado a um filme de Tarantino, estava nas suas sete quintas (Como é que é caralho!?”); ele e a banda, que no ano passado eram apenas público, não se fizeram rogados em agarrar a oportunidade de subir ao palco secundário (palco Vodafone FM, rádio impossível de sintonizar em Paredes de Coura) e fazerem rock com gosto e a gosto dos anteriormente ensonados festivaleiros. É bom ver gente feliz a fazer aquilo que gosta e os Bed Legs foram isso. Foram felizes e fizeram gente feliz com músicas como “Balck Bottle” (retirada ao álbum homónimo lançado este ano), tremenda malha blues/rock carregada de groove ou a “setentona” “My Heart Back” transportar Fernando Fernandes e seus muchachos (Fernando remou, literalmente) para a mente e coração do muito público presente.

Algiers

Música de matriz “negra” que teve continuidade num dos melhores concertos que tivemos oportunidade de presenciar. Vindos do castigado sul dos Estados Unidos (Geórgia - aliás, começaram o concerto com um discurso contra a villência policial contra a comunidade negra) para partir tudo com um estranho evangelho místico/profético ponte entre a soul moderna e a sofrida e frenética soul vinda dos anos 50. Ensopado de psychadelic soul com gospel e rock (art, noise e experimental), os Algiers encabeçados pelo father Franklin James Fisher (vocalista) e pelo eléctrico Ryan Mahan (baixo e sintetizador) foram xamanes, pregadores da boa nova e administradores executivos de um missal de música com cabeça tronco e membros (muitos membros, bastava admirar o gesticular “parkinsoniano” de Ryan Mahan) que encantou o lotado recinto secundário. Com apenas um longa-duração na algibeira, Algiers de 2015, a banda norte-americana (pela segunda vez em Portugal no espaço de três meses) lançou-se sobre o que tem de punho fechado, o Sul que se liberta em música (post-worldbeat/punk), e fê-lo com competência e bom gosto de que são prova "Black Eunuch", "Remains" ou o portentoso single "Blood". O público, esse, assinou por baixo a sua libertação.

Sleaford Mods

Coisa estranha de ouvir e ver estes Sleaford Mods. De um lado Jason Williamson, o working class hero, o bully sacado a um qualquer filme de Guy Ritchie com um vozeirão tremendo e um pulmão que não cede, cru, tremendamente cru. Do outro Andrew Fearn, o homem da máquina de beats que se anula, era vê-lo de cerveja numa mão enquanto a outra se enterrava no bolso, isto quando não estava a cutucar o seu telemóvel (procuraria pokemons ?), deixando aquele palco imenso ainda mais vazio. Da música, pujante e regada a fogo e “fuckin’s” do lado de Jason – que empolgava a audiência - e monocromática (drum minimal repetitivo) do lado de Andrew o menos que se poderá dizer é que era bipolar. Bipolaridade que tirou valor e força à prestação que a rude poesia bruta de Jason mereciam (arranjem-lhe uma banda ou, no mínimo, um DJ com sangue nas veias!). O público foi gostando (“Jolly Fucker” à cabeça) mas não comprou. Caso para dizer que o Jason canta bem mas o Andrew não alegra.

Thee Oh Sees

Depois de Algiers e da sua música forjada a sangue suor e lágrimas ter deslumbrado faltava o rasganço que Sleaford Mods não conseguiu dar. Faltavam Thee Oh Sees. Estes norte-americanos partiram tudo com o seu garage rock. Duas baterias, guitarra, baixo e voz trouxeram aquilo que um público sedento de mosh estava cansado de esperar. Godot chegou e com ele veio uma torrente animalesca de rock em modo garage que empolgou (finalmente) o público que enchia, por essa hora, o anfiteatro natural de Coura. Foi um rosário terrorista de bombas de napalm que começou com uma invasão de palco no tema “I Come From The Mountain” e parecia mesmo que era a primeira vez que John Dyer (trincou-se durante toda a actuação) e seus companheiros de luta viam a “civilização” (possível) pela primeira vez. Uma vez aqui chegados só há duas opções: ou se remetiam ao medo ou o atacavam vorazmente. A segunda foi a resposta. Com passagem obrigatória pelos êxitos de uma carreira que já leva mais de uma quinzena de discos, discos dos quais A Weird Exits é o último da matilha (editado este ano), e pela fascinante e sedutora “Toe Cutter-Thumb Buster” (marcou a diferença para a pouca versatilidade dos temas apresentados – embora, reforce-se, o concerto tenha sido um bálsamo de potência) a banda de São Francisco arrancou uma actuação que revolveu as entranhas a festivaleiros e o pó que se julgava acamado depois de tanta modorra. Após tanta batalha campal e muito mosh, a coisa musical tocada ao vivo terminou com um extenso e quase post-rocker “Encrypted Bounce”, tema que demonstrou que os Thee Oh Sees não são só pica juvenil, e uma chamada para o que viria a seguir pela voz apressada e nervosa de John Dyer. E o que viria a seguir era tão-somente o concerto mais aguardado de todo o festival…LCD Soundsystem…

LCD Soundsystem

Apetece-nos parafrasear Mark Twain e dizer que as notícias sobre a morte dos LCD Soundsystem foram manifestamente exageradas. Depois do lançamento de “Christmas Will Break Your Heart” (Dezembro de 2015) e do anúncio de um novo álbum (o quarto da sua discografia) para este ano, a banda-sonho de James Murphy aterrou no Alto Minho com vontade de encantar e conseguiu, embora tenha faltado comoção ao grosso da actuação mas vamos por partes, pois foi de partes que o concerto de LCD Soundsystem se tratou, duas para ser mais concreto. A primeira, regada a vontade e fogo, começou com “Us vs Them” que estendeu a passadeira vermelha a “Daft Punk Is Playing In My House” acompanhada por uma gigantesca bola de cristal “á lá 80’s” a fazer entrever um desfiar de êxitos ao gosto do público que lotou o recinto. “Tribulations” (o supra-sumo da noite), “I Can Change” ou “You Wanted a Hit” foram alguns dos temas que marcaram uma primeira parte de um concerto em crescendo e cheio de força metamorfoseando, a espaços, o anfiteatro de Coura numa estranha pista de dança. Pista que viu as “luzes caírem” na chegada da profética “I’m Losing My Edge”, tema a marcar uma curva descendente na festa e que se confundiu com o tributo a Lemmy Kilmister. Segunda parte dedicada ao fundador dos Motorhead (com quem os LCD Soundsystem dividiram o palco em Coura 2014), falecido no final do ano passado, e que se iniciou com a bela mas “depressiva” “ New York, I Love You But You’re Bringing Me Down” prosseguindo com “All My Friends” e “Home”, temas que, à semelhança de todos os anteriores, foram executados com mestria e zelo pela fábrica de som chamada LCD Soundsystem encabeçados pela voz em plenitude e transparência de Murphy a que os extraordinários efeitos visuais e desenho de luz trazidos pelos nova-iorquinos ajudaram a criar “o cenário” perfeito. Apesar de toda esta perfeição e da set list de fazer inveja, o concerto só chegou perto da alma, não entrou completamente. Foi bom, extraordinariamente bom, mas faltou, a espaços largos, o rasgo de emoção que muitos provavelmente esperavam (“Tribulations” foi, como referimos, a excepção). Faltou centelha…

Dia 20 de Agosto - (The Last Internationale, Filho da Mãe & Ricardo Martins, Capitão Fausto, Motorama, The Tallest Man On Earth, Cigarettes After Sex, Portugal. The Man, Chvrches)

The Last Internationale


Chegamos a tempo de ouvir quatro músicas desta “Internacional”. De punho cerrado, como se quer, a banda nova-iorquina é um caso de misplacing. A potência da actuação merecia uma hora mais tardia, merecia mais público e mais atenção. Em suma, merecia mais para fazer jus à atitude punk e voz imperiais de Delila Paz… Situemo-nos, porém, apenas naquilo que pudemos ouvir, e o que ouvimos foi bom. Encabeçados por um “banner que mata fascistas” (piscar de olho à nossa Revolução – os familiares do guitarrista Edgey Pires são de Arcos de Valdevez) que se prolongou nas referências ao fim da “mais escura e longa das noites” que este país viveu com imagens de fundo do 25 do quatro de 74. Fogo e precisão porque, afinal de contas, “a cantiga é uma arma de pontaria”. Foram precisos (Delila ainda procurou, junto do público, saber como se diz “power to people” em português) e mereciam mais…

Filho da Mãe & Ricardo Martins

Competentes, adjectivo que melhor poderá definir estes virtuosos músicos, mas as circunstâncias e a sonoridade, que julgamos não se adequar a este tipo de certame, fizeram com que este concerto fosse uma sala de espera enquanto os meninos bonitos da música nacional não subiam ao palco principal do festival. Falamos dos Capitão Fausto e o seu rebanho de fãs que pelas 19h40 encheram o palco principal.

Capitão Fausto

O trocadilho com o nome do seu último álbum é fácil. Os Capitão Fausto Têm Os Dias Contados foi uma escolha de risco. Nome inteligente e pensado, como parece ser tudo na existência de banda de Tomás Wallenstein, para criar buzz e porem o paradoxo a jeito. Puseram-se a jeito mas prevenidos com a competência (as letras do novo registo são excepcionais) e o rasgo dos seus actores na execução de um dreamy rock que vai beber, a espaços, a bandas como os Táxi ou os Trabalhadores do Comércio criando e recriando esse fértil e imaginário 80’s português num produto competente e fervilhante. Naquela tarde/noite de Coura foi isso que o muito público respirou. Respiração coordenada e simbiótica que resultou num espectáculo cénico e sonoro de grande amplitude e magnificência com realce para os temas “Amanhã Tou Melhor” (com que fecharam a actuação), “Morro Na Praia” ou “Os Dias Contados”. Desde Linda Martini em 2011 que Paredes não via uma banda portuguesa a partir tanta coisa como os Capitão Fausto o fizeram este ano.

Motorama

O que se poderá dizer de quatro cubos de gelo que fazem música quente e com a qual conquistam plateias? É um paradoxo difícil de resolver. Os responsáveis por estas e outras questões filosóficas são os russos Motorama. Um dos melhores concertos que por PdC se deram foi obra destes quatro cossacos que se movem hibridamente, mas nem por isso ensossamente, entre The National e Joy Division. Prova dessa confecção "apetitosa" foram os temas “Alps” ou “Ghost” provenientes das estepes do seu primeiro trabalho de originais Motorama ou uma “Heavy Wave” rasgada a Poverty (mais recente registo discográfico da banda do Sul da Rússia. Tudo regado com uma alegria que se manifestava em não se manifestar. Entraram mudos e saíram calados, bem…não totalmente, Vladislav Parshin, vocalista e guitarrista, lá soltou um “obrigado” por entre os dentes semi-cerrados…

The Tallest Man On Earth

O concerto “fofo”, só rivalizando com Withney, no “nosso” festival. O sueco Kristian Matsson e a banda que o acompanhou distribuíram simpatia e música terna pelas margens do Taboão. Não empolgou, também não era isso que se esperava, mas enterneceu com temas como “Slow Dance”, “Fields Of Our Home”, “King Of Spain”, “Love Is All” ou a “portuguesa” “Sagres” num misto de inocência e arte que deixou as pitas à beira de um ataque de choro. O sueco gosta de Coura e Coura gosta do sueco, isso é indesmentível. A prova acabada desta sentença ficou escrita com “Like The Wheel”, cantada por todos os elementos em palco e lacrou, definitivamente, este concerto formato declaração de amor a Portugal.

Cigarettes After Sex

Um bocejo; um comprimido para dormir que podia não ter existido. Aguentamos duas músicas, as suficientes para um par de fotografias e demos corda aos sapatos. Depois da “ternura” de The Tallest Man On Earth pedia-se pedalada e os Cigarettes After Sex são ovelhas e, como toda a gente sabe, ovelhas não são para mato…

Portugal. The Man

O nome ajuda. Eles queriam algo mítico que os identificasse e Portugal foi o melhor que conseguiram (lettering a fintar o destino e a aportar na época dos Descobrimentos foi a prova da encarnação do espírito luso descoberto por acaso). Ao longo dos concertos a que pudemos assistir percebeu-se a leveza nas actuações, por vezes tão leves que passavam ao lado. Com Portugal. The Man sentiu-se leveza mas aquela descrita por Milan Kundera no eterno “A Insustentável Leveza do Ser”: o peso não atroz ou negativo, foi espesso e significativo no conteúdo, teve volume… Eles não foram lineares, bem pelo contrário. Vaguearam como quiseram pelo seu portfólio (“Hip Hop Man” e “Atomic Man” no inicio), tiveram tempo para nos levarem à adolescência com os Oasis e a sua “Don’t Look Back In Anger”, música-cauda da cabeça “Everything You See”, pegaram-nos pela mão no hino “ Modern Jesus” (entoado por toda a plateia) para irem desaguar numa “guitarra fraudulenta” de John Gourley que os levou a prolongar “Purple Yellow Red And Blue” para lá das margens do rio que a sustém. Invocaram a sua última passagem por PdC em 2009 e o cartaz que os deliciou (nesse dia há 7 anos, os Portugal dividiram o palco com Peaches e Nine Inch Nails) e agradeceram, assim, humildemente por tudo o que Paredes lhe deu. Eles foram bons e nós também agradecemos.

Chvrches

Lauren Mayberry continua pequenina como a sardinha, mas crescida na voracidade com que domina o palco. O grupo de escoceses que encabeça regressou a Coura dois depois de lá terem levado o seu álbum de estreia The Bones Of What You Believe. Agora, e como refere Lauren, “com mais de dez músicas” no alinhamento. Sim, tiveram mais. Ao primevo registo juntaram-se-lhe os temas de Every Open Eye, disco lançado em 2015 que esta banda de synth pop ainda se encontra a promover. Paredes foi mais uma passagem. Fora as preocupações com a segurança das pessoas da primeira fila e as laterias entregas de bandeiras nacionais e a referência ao título europeu, os Chvrches não aqueceram nem arrefeceram, antes pelo contrário. Foram assim-assim, aliás, à imagem do cartaz deste ano, meio-cheio meio-vazio. O synth pop não chega para tudo e quando PdC pedia agitação ficou-se por uns, poucos, movimentos de ancas e pés enquanto, lá em cima, os Chvrches se “esfarrapavam moderadamente” com “"We Sink", "Follow You", "Make Them Gold" ou o tema “Bury It” (música que, recentemente, foi alvo de reedição com os Paramore). Enfim, não “foi lindo”, como ouvíamos ao nosso lado, nem foi horrendo, foi apenas, e por apenas ficou…

No final foram, ainda, anunciadas as datas para o festival do próximo ano. Assim, em 2017, o Vodafone Paredes de Coura realizar-se-á entre 16 e 19 de Agosto no sítio do costume e, esperamos, com um cartaz à altura da sua reputação.
· 25 Ago 2016 · 12:07 ·
Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com

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