NOS Primavera Sound 2015
Porto
9-11 Jun 2015
Dia 1

Já não há muito a dizer sobre o NOS Primavera Sound que não tenha sido dito em textos sobre edições anteriores neste mesmo sítio; que colocou o Porto no centro das cidades que albergam grandes festivais, que é o melhor certame do género em Portugal, que o seu recinto é uma lufada de ar fresco atendendo a que compete na modalidade urbana, etc, etc, etc. Por isso vamos deixar-nos de repetições e vamos directos ao assunto: o primeiro dia do festival.

Sabendo que no dia seguinte havia mais um concerto de Patti Smith para ver (o que ouvimos de passagem soou tudo menos acústico, já agora, ao contrário do que foi anunciado), seguimos para o Palco NOS para saber o que seria ouvir as canções luminosas de Mac DeMarco acompanhadas dos últimos raios de luz daquele dia. E correu tudo pelo melhor. As canções sem data de validade do canadiano soaram quase sempre previsivelmente apreciáveis. Mesmo quando soaram circulares e algo repetitivas.

A expectativa era mais do que grande para ouvir - e ver - o fenómeno conhecido como FKA Twigs. A britânica trouxe as canções de LP1 ao Porto com a ambição performativa que todos esperavam. Apesar de ter sido recebida em constante fervor, não se pode dizer que FKA Twigs tenha sido sempre eficaz na missão de passar a estranheza e a liberdade da sua música. O balanço é francamente positivo, mas fica a vontade de ver a britânica em nome próprio e numa sala fechada. Só para tirar todas as duvidas de uma só vez.

Se os Interpol foram pouco mais do que uma banda-sonora-sombra de um passado glorioso (referimo-nos naturalmente a Turn on the Bright Lights), o live de Juan MacLean foi um maravilhoso exercício aeróbico - sempre a subir, sempre a puxar para o vermelho. Mas o prato grande era mesmo o concerto de Caribou, um maravilhoso cocktail de tudo aquilo que nos entusiasma nos seus discos. Daniel Victor Snaith comandou uma pequena orquestra tão precisa quando um relógio suíço, um festival de percussão e sintetizadores. O alinhamento, que se baseou essencialmente no mais recente - e excelente - Our Love - mas não só -, foi perfeito de perfeito. "Can’t do without you" e, já no encore, "Sun" foram de longe os dois temas mais saudados, mas o grande momento do concerto foi, sem sombra de dúvida, uma versão criativa mas potentíssima de "Jamelia". A noite dificilmente poderia ter terminado de uma melhor forma.

Dia 2

Sem fazer grandes planos, o segundo dia do NOS Primavera Sound foi aquele dia para andar a picar aqui e ali por entre concertos e memórias. Este não era decididamente um dia fácil para escolhas. Bem, nem sempre. Porque apesar da curiosidade de ver uma banda com o burburinho dos Viet Cong, foi bastante fácil escolher ver Patti Smith dar vida ao clássico Horses - e tudo o que isso pode representar. E a escolha revelou-se naturalmente acertada. A cantora e poetisa deu, durante cerca de uma hora, uma lição de rock e de significado, mostrando que a urgência da sua música é agora tão urgente como nos anos 70. Depois de correr Horses de uma ponta a outra houve ainda tempo para se ouvir "Because the night" (apesar de ser ainda dia) e "People have the power" (apesar de às vezes não parecer verdade). No final do concerto ficou uma certeza no ar: a música e a mensagem de Patti Smith continuam intactas.

Logo ali ao lado, no segundo palco principal, José González deu um concerto mais do que bonito e funcionou perfeitamente naquela passagem lenta mas ao mesmo tempo rápida que dá a autorização ao chegar da noite. As suas delícias acústicas contrastaram e de que maneira com o rock 'n' roll directo dos míticos The Replacements, que muito provavelmente - dizem por aí - deram na cidade do Porto o seu último concerto de sempre. E soaram muito bem, ainda que com alguma distância. Algum tempo depois chegava a primeira grande dificuldade de escolha do dia: depois de percebermos, ainda que durante pouco mais de 20 minutos, que os Spiritualized continuam a produzir aquela energia e electricidade gospel de sempre, optamos por cair na tentação de nos revermos na imensidão pop dos Belle & Sebastian, porque os escoceses são uma daquelas bandas que nunca desiludem. E não estávamos errados. Durante cerca de uma hora, foi ver e ouvir a banda escocesa desfilar um sem-fim de canções que são há muito tempo clássicos (até tivemos direito a The Boy with the Arab Strap, imaginem). O tempo passa pelos Belle & Sebastian com a classe que todos desejamos para nós.

E de repente algo raro no NOS Primavera Sound: de repente só há som num dos palcos. O motivo é simples. Antony está em palco com uma orquestra e o silêncio que se exige para o momento é sepulcral (ainda que isso nem sempre tenha acontecido). O momento é, naturalmente, de uma enorme beleza e intimismo (e não faltaram algumas das canções mais representativas da belíssima carreira de Antony), algo que se confirmou ser no mínimo arriscado para um festival, ainda que com o contexto e a condição especial do Primavera. Feitas as contas, no final de tudo, ficou a vontade de ver este mesmo concerto mas numa sala fechada, onde toda aquela beleza possa ter o eco perfeito.

Mas a martelada mais difícil da noite foi mesmo ter de escolher entre Run the Jewels, Ariel Pink e... Jungle. Pelo negrito já perceberam que escolhemos a opção mais fácil, digamos assim. Porque tudo isto se resume a opções pessoais, pareceu-nos boa ideia dedicar ouvidos às canções orelhudas e dançantes dos londrinos. E não é que até parece ter sido uma boa opção? Canções como "Busy earnin’" foram o melhor dos tónicos para resistir ao passar das horas; a enchente que se verificou no Palco Super Bock pareceu confirmar o estado de alma geral. Foi fácil, foi eficaz e foi democraticamente divertido. A fechar a noite, no Palco Pitchfork, os Movement soaram sexys mas pouco mais do que isso. Por isso deu casa, até porque ainda faltava mais um dia de festival.

Dia 3

É sempre assim. Chega lento mas acontece rápido: de repente chegamos ao terceiro dia do NOS Primavera Sound e com ele mais um cabaz bem diversificado de opções. O dia começou gloriosamente ruidoso com uma lição de rock e saber estar com a assinatura de Thurston Moore Band. Com o sol a bater na cara, a avalanche de guitarras compactada naqueles 60 minutos foi verdadeiramente refrescante. Saber que os Sonic Youth tinham entrado num sono profundo não foi uma notícia simpática mas vendo o que os seus membros continuam a fazer (e aqui temos de incluir Steve Shelley, que acompanhou Thurston Moore) é possível até relativizar um pouco o fim de uma das bandas mais essenciais das últimas décadas.

Alguns já tinham visto em vídeo mas outra coisa é assistir em directo e ao vivo: falamos do concerto dos Foxygen, que mereceu sem sombra de duvidas o prémio de concerto mais inesperado e divertido que alguma vez aconteceu no NOS Primavera Sound. Até hoje ainda ninguém deverá conseguir explicar muito bem o que se passou em palco naquele fim de tarde. Sabemos que houve bailarinas e canções. E confusão. Uma coisa é certa: Sam France partiu aquele palco em vários pedaços, atropelando canções e pessoas, criando o caos a partir de canções pop perfeitinhas tocadas perto do nível da loucura. A loucura durou quase uma hora. E as reacções pareciam andar entre o espanto entusiasmado e a incredulidade pessimista. Mas parece-nos que os Foxygen jogam precisamente para os extremos. Não vale a pena falar de discos - e muito menos de canções: o que se passou ali no Palco Super Bock foi um momento de loucura; um momento altamente apreciável, diga-se.

No Palco Pitchfork, logo a seguir, uma proposta radicalmente diferente. Foi ali que o norte-americano Kevin Morby assinou um dos melhores concertos da edição 2015 do NOS Primavera Sound. Com dois belíssimos solos debaixo do braço, optou por dar mais destaque ao segundo, o maravilhoso Still Life, e saiu vencedor. Mesmo assim, a fabulosa e hipnótica "Harlem River", acabou por ser um dos grandes momentos da noite. É que esteve tudo lá: uma versão de Bill Fay, uma interpretação infalível de "Amen" (está toda no Youtube, procurem-na), toda aquela paisagem da América profunda e o coração ao alto. Kevin Morby é evidentemente um dos melhores escritores de canções dos nossos tempos. Que volte muito rápido.

Depois correu tudo muito rápido e da forma mais variada possível. Deu para perceber que os Ride continuam a defender muito bem as cores do shoegazing tantos anos depois do primeiro gesto da banda; que Dan Deacon continua a dar aquela festa toda ao vivo, criando tsunamis de variadíssimas feições entre o público; e que a música dos Underworld continua a ter impacto tantos anos depois do seu início. Tal como prometido, interpretaram o clássico dubnobasswithmyheadman do início ao fim (com grande destaque para "Cowgirl") e ainda provaram, como não, toda a intemporalidade da mais do que clássica "Born Slippy", momento de apoteose colectiva. Não foi verdadeiramente o final da edição 2015 do NOS Primavera Sound mas até podia ter sido que ninguém ficava chateado. Para o ano há certamente mais.
· 17 Jun 2015 · 23:41 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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