Kraftwerk
Coliseu dos Recreios, Lisboa
19- Abr 2015
Vamos começar este texto dizendo que o espectáculo 3D - e só, única, exclusivamente o 3D - se revelou como a banhada do século, rendendo sobretudo selfies imbecis e apenas um ou dois momentos engraçados, como quando um OVNI desce sobre um Rossio fotografado e de pronto traz ao de cima o momento de nacional-parolismo habitual em concertos "de fora" a que nem os robôs, aparentemente, deixam de estar afectos. E está feito. Quanto ao concerto dos Kraftwerk, poderíamos percorrer o dicionário inteiro em busca de sinónimos para "genial" que continuaria a ser pouco para os descrever. Os alemães regressaram ao país e, ao longo de duas horas e meia, fizeram a retrospectiva possível da sua vasta carreira, que já conta mais de quarenta anos; com uma banda como os Kraftwerk, há sempre qualquer coisa que irá faltar. "Showroom Dummies", por exemplo.

© Alexandre Antunes / Everything is New

É impressionante como os Kraftwerk conseguem resistir ao avanço dos tempos, continuando paradoxalmente a soar anacrónicos e futuristas - o som remete-nos para as experiências e descobertas passadas a nível de sintetizadores, mas continua embrenhada numa ideia tão grande de evolução que não há como não nos pasmarmos, uma e outra vez, com estas melodias. E fala-se em ideia porque os Kraftwerk são, sobretudo, uma ideia: profetas do assimilar tecnológico, da fusão entre homem e máquina, de uma realidade que está mais perto de nós do que o que conseguimos imaginar. Escreve-se que só Ralf Hütter tem hoje em dia o privilégio de ser o único membro original da banda, mas esquece-se que os Kraftwerk poderiam ser verdadeiramente substituídos por robôs que continuaria a fazer todo o sentido escutá-los e encontrá-los em concerto.

© Alexandre Antunes / Everything is New

Perante um Coliseu esgotado (ainda que parte da bancada tenha sido fechada), o quarteto alemão percorreu tudo aquilo que poderia percorrer, musicalmente falando. E já que esta é a geração Internet, nada faz mais sentido do que começar logo com Computer World, álbum ao qual se foi buscar "Numbers", o tema-título e a fantástica "Computer Love", fazendo o aquecimento para o que seguiria, numa ordem não-cronológica e não-narrativa, com o intuito apenas de, quem sabe, nos fazer dançar uma vez mais; se muitos dos temas dos Kraftwerk são sobretudo introspectivos, a aparição de "The Model" convida ao braço no ar e deveria, propomos nós, convidar muitas claques de futebol a entoar bem alto a melodia.

© Alexandre Antunes / Everything is New

Pese embora as aparições fugazes de alguns blue screens of death, como que para provar que até os melhores robôs podem sofrer alguma falha, os Kraftwerk deram um concerto imaculado ao qual só há a apontar a duração demasiada de "Autobahn", ainda que, a julgar pelas inúmeras t-shirts azuis que por se viram pelo Coliseu, tenha sido esse o tema mais esperado pela audiência. De "Radioactivity", na sua versão melhorada (a de The Mix, álbum de remisturas de 1991, e actualizada para incluir [também] o desastre nuclear de Fukushima), até "Electric Café", passando por Tour De France Soundtracks, o último álbum dos Kraftwerk (de 2003...) e possivelmente o mais subvalorizado - os robôs em modo deep house, revelando estar a par daquilo que se tem feito musicalmente após a sua construção. Uma viagem a bordo do "Trans-Europe Express" fecharia o concerto antes dos encores habituais, primeiro com a substituição dos senhores de carne e osso por manequins em "The Robots", depois com "Aerodynamik", "Boing Boom Tschak" e "Techno Pop". O futuro passou por Lisboa, passará hoje pelo Porto: estaremos preparados?
· 20 Abr 2015 · 15:37 ·
Paulo CecĂ­lio
pauloandrececilio@gmail.com
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