Sapo Surf Bits 2005
Ericeira
02-03 Set 2005
03/09

Souls of Fire

Por natureza, o reggae pode até ser indulgente. Porém, não obriga isso a tomar por reggae de qualidade todo aquele que cumprir as premissas genéricas (e caricatas) do género: a variação quase imperceptível de um mesmo acorde, a disposição descontraída dos músicos em palco e a exploração constante de todas as declinações sintácticas para a palavra “Jah”. Os Souls of Fire sabem como preencher o espaço sonoro com um reggae exemplar (demasiado até), mas falta à sua música a base do género. Ou seja, a essência. A tardinha ardeu a chama branda, portanto.

Mishka

Um só amor, uma só coração, uma só arvore e uma só nação. Parecem ser estas a coordenadas que regem a escrita de canções a Mishka, o irmão da igualmente nómada (mas bem mais rockeira) Heather Nova. Em palco, o novo One Tree recua – como o caranguejo – a uma simplicidade de raiz que, enquanto a fórmula não acusa ponto de saturação,, vai subsistindo no final de tarde que recebeu Mishka na Ericeira. A espiritualidade que provém do surf é perceptível na comoção contida do músico (que também divide o tempo entre a prancha e a guitarra). Absorve-se um concerto deste cariz como um prato de mexilhões em molho de manteiga de ervas aromáticas. Com a genuinidade do seu songwriting (as parecenças faciais com Will Oldham só lhe ficam bem), Mishka pintou de púrpura a maresia que, mais ou menos intensamente, se ia fazendo sentir no recinto.

Mishka © Hugo Rocha Pereira

Cool Hipnoise

Por mais mudanças que o colectivo sofra, o balanço do funk (e do soul, jazz e outros ritmos negros) dos Cool Hipnoise continua Mem’Bom, agora com mais pitadas de reggae do que no início. “Brother Joe” será um dos temas que mais se enquadra naquele que foi, afinal, o prato forte deste festival de verão, e um dos momentos de destaque da prestação dos Cool Hipnoise, a par da versão de “Come as You Are”, dos Nirvana, e de “Groove Junkie”, que envolveu todo o público e na qual os vocalistas e desfiaram referências a diversas bandas, do cartaz do SSB e não só.

Cool Hipnoise © Hugo Rocha Pereira

Gentleman & The Far East Band

Ao que parece, a Alemanha não se acanha em complexos na hora de oferecer respostas ao que faz furor além fronteiras. Assim acontecia com os explosivos Toten Hosen e, muitos anos depois, com os Such a Surge (que, bem vistas as coisas, até estavam adiantados na senda do crossover). Gentleman serve como dois em um: entertainer incansável e digressionista de registos que têm o reggae apenas como ponto de partida. Safa-se bem o anfitrião (assim como a banda que traz consigo, com menção honrosa para a saxofonista) e no Sapo Surf Bits teve direito a tempo de antena redobrado devido ao cancelamento de Long Beach Short Bus. Dada a facilidade com que manipula e mantém o público em ponto de ebulição com os ritmos quentes (vindos de uma Alemanha habitualmente conotada com a frieza da sua matriz), quase parece que Gentleman podia prolongar o Sapo Surf Bits até ao amanhecer. Já bem perto do fim serenou a plateia com uma tocante versão a capella da universal Redemption Song. Pede Atlântico este cavalheiro.

Gentleman & the Far East Band © Hugo Rocha Pereira

Pow Pow Movement

Muito pó fez saltar este “sound-system” germânico, principalmente quando Tilmann Otto, mais conhecido por Gentleman, roubou a cena, dominando os pratos e o micro para puxar pelas hostes de quem há minutos se havia despedido. Ninguém se terá importado com as falhas técnicas da sua actuação.

Já antes o palco havia sido inundado pela beleza e sensualidade de várias raparigas que dançaram ao sabor dos ritmos quentes que encerraram a noite e o SSB.

O primeiro Sapo Surf Bits pecou apenas pelo cancelamento dos muito aguardados Long Beach Short Bus (recente ramificação da genealogia Sublime) e pela discrepância entre os dois dias (em termos de pertinência e - por tabela - de afluência). O festival ficou também marcado pelo colorido dourado dos finais de tarde e pelo decotado à vontade de grande parte das presentes (já houve quem o apelidasse de Sapo Surf Tits). A festa cumpriu-se com a euforia a fazer levitar os pés um pouco acima do chão e os ouvidos sintonizados no omnipresente reggae. Jah foi, e a aparência entusiasmante do embrião (saliente nas prestações de Toots & The Maytals e Cool Hipnoise) leva a crer que pode muito bem voltar a ser.

· 02 Set 2005 · 08:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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