Barreiro Rocks
Barreiro
05-07 Dez 2014
Noite fria, Barreiro semi-morto: a equipa Bodyspace chega demasiado cedo à sede d'Os Ferroviários para nova edição do Barreiro Rocks, festival que celebra essa coisa indizível, esse tal de rock n' roll, trazendo até à Margem Sul alguns dos nomes que mais fazem pelo género, sejam eles nacionais ou internacionais. Chega sobretudo numa perspectiva de descoberta - é o nosso primeiro Barreiro Rocks -, colocando as expectativas em lume brando, cientes de que nem tudo pode correr como se pensa. Alta madrugada, já depois do último concerto do dia e com os Coldplay a possuir o porto de embarque onde se apanhará um transporte de volta para Lisboa, manda-se o lume brando à fava e conclui-se que se passou demasiado tempo a procrastinar ou a adiar a visita: o Barreiro Rocks é genuinamente um dos melhores festivais a que já viemos. Volume no máximo, miúdas giras, comida vegan que até este escriba consegue apreciar? Clara vitória a todos os níveis.

A primeira descoberta do dia faz-se imediatamente com os POW!, duo da terra regressado aos palcos este ano (formaram-se em 2010). Ainda perante poucas pessoas dentro do ginásio, sendo que mais chegariam ao longo da noite, os POW! vomitaram uma descarga imensa de ruído sónico, rock visceral como definido pelos Lobster e o espaço como primeira e última fronteira. Música que faz jus ao nome da banda, estardalhaço ríffico que se nos apodera do corpo, tão cru que nem precisa de ter títulos: um dos temas que tocaram, segundo uma surripiada setlist, intitula-se "A que começa com os tambores e tapping". Seguir-se-iam os PISTA, a devolver a saudação do duo anterior também com os decibéis ao alto, a compensar a semi-actuação do Mexefest em que só dispunham de duas colunas mal amanhadas. Ritmos tropicais à Abe Vigoda, a liberdade tomando a forma de uma bicicleta espacial ("Silver Machine", portanto), e temas como o homónimo ou "Puxa" a fazer mexer o público. Um concerto que foi uma prova cabal de segurança por parte de uma banda que a pouco e pouco começa a conquistar o seu espaço muito próprio.

Antes de subirem ao palco os Asimov, duo que representou o Cacém com uma bandeira bem colocada por cima da bateria e que causou mossa com o seu psicadelismo minimal, onde na guitarra pontificava aquele que, muito provavelmente, era o tipo com mais pinta de rockstar em todo o festival, conseguimos finalmente apanhar uma actuação do lendário Crooner Vieira, a levar o público à loucura com versões de "Sex Bomb" e "Delilah", multitudes de gerações congregando-se para prestar homenagem a esta figura mítica. Os Cangarra ocupariam um espaço reservado e ao ar livre, em frente do pavilhão, também eles psicadélicos - à sua maneira - e levando bastante gente a encarar o forte frio.

Os Killimanjaro estreavam-se na Margem Sul, e, mesmo após se ter visto uns quatro ou cinco concertos destes miúdos ao longo de todo o ano, não há como não dizer que continuam a surpreender. Nem uma corda partida logo à primeira canção ("é tradição", dizia José Roberto Gomes) impediu que dessem um óptimo concerto, mais acelerado que o que deles se conhece, com os temas de Hook a causar os estragos do costume e a proporcionar uma curta sessão de mosh geriátrico. O público, ávido, não descansou enquanto não teve encore; alguém que diga à mãe do Zé que a banda dele é mesmo muito a sério. De volta ao frio, a BESTA distribuiria vinte-trinta minutos de pancadaria grindcore, cantada em português, num ritual mui salutar e mui bem recebido. Dignos representantes do lado mais metálico do rock, imperou (pun intended) "Império Do Ódio", javardice de riffs a disparar para todos os lados sem que houvesse fuga possível. Enormes.

O dia findaria com Tamar Aphek, menina bonita e oriunda de Israel, que terminaria neste espaço a digressão de um mês que a levou um pouco por toda a Europa. Ela, que antes se mostrou igualmente rendida a Crooner Vieira, trouxe ao festival o lado mais sedutor do rock (mas não menos eléctrico) com temas lânguidos e sensuais onde pontificava sobretudo a sua voz, o género de voz que diz vou-te devorar mas com jeitinho, aliada a explosões de feedback e ao ritmo do punk. Tanto à guitarra como ao baixo, Tamar Aphek mostrou a confiança necessária para dar um óptimo espectáculo. Merecia melhor público, contudo: ainda que alguns tenham ficado pasmados com a prestação da moçoila, e ainda que tenham existido pedidos para encore, uma maioria algo mortiça - e que lá para final pura e simplesmente não calava a puta da boca - estragou aquilo que poderia ter sido o melhor concerto do festival. Enfim. Por nós, ela tocaria o festival inteiro.
· 10 Dez 2014 · 23:32 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
FOTOGALERIA
RELACIONADO / Barreiro Rocks