Vodafone Mexefest
Lisboa
29-30 Dez 2013
Nenhum festival nos obriga a correr tanto quanto o Mexefest, e devia haver uma lei que o proibisse logo a seguir ao jantar. Mas quem corre por gosto não cansa. Nova edição, nova azáfama, nova passeata pela Avenida da Liberdade à procura de qualquer coisa que nos desperte o interesse, para além do chocolate quente de borla. O interesse começou logo com os Juba, quarteto jovem e alternativo que apanhamos já com quinze minutos de atraso e que deverá ter todas as influências certas, pois é difícil ficar indiferente perante a descarga melódica e a energia que apresentam em palco, dedicando "Victoria Creeps", uma das canções do disco recém-editado, "ao público que gosta de ir a festivais" (cue applause). Atravessamos a estrada e apanhamos Sequin às turras com alguns problemas técnicos que não impediram, uma vez mais, de nos regozijarmos com a voz de Ana Miró, cruzamento entre Beth Gibbons e o fantástico Integration de LA Vampires e Maria Minerva. Finalmente, ainda em modo aquecimento, houve espaço para descer até ao Rossio e apanhar JP Simões, que havia substituído John Wizards, a cantar "La Javanaise" (Gainsbourg) e "Bem Querer" (Chico Buarque), enquanto a primeira e única cerveja da noite desaparecia esófago abaixo - porque há outras coisas a valer 2€ com maior prioridade.

Prioridade essa que foi dada pela grande maioria do público aos dois nomes que actuavam no Coliseu, Savages e Woodkid. As primeiras, que haviam deixado em polvorosa muitos dos que foram ao Primavera Sound, não desiludiram: continuam a soar a Joy Division, a trazer à boca a expressão "guitarras angulares", a tentar ser uma espécie de Cocteau Twins ou até mesmo Elastica mas sem qualquer tipo de talento ou originalidade que lhes valha - os fãs adoram, evidentemente, e quem somos nós para falar mal? Uns grandes estupores, claro. O quarteto britânico pode continuar a prosseguir a sua demanda de repescar "o som dos oitentas" e a levar a miudagem (e a velharia) saltitante aos seus concertos porque estão a fazer um bom trabalho nesse campo. Não precisa de nós nem do nosso ódio abjecto para nada.

Quanto aos Wavves, agora quarteto, regressaram à capital pela terceira vez para um concerto morno mas que ainda assim proporcionou bons momentos, a saber: a corda de uma guitarra partida ainda nem a primeira canção havia começado (très punk), a invasão de palco por parte de um conhecido ilustrador português (oi Rudolfo, Lisboa continua a não aguentar a tua piça), a invasão de palco por parte de uma fã menos dada à vergonha, os quatro ou cinco crowdsurfers e as canções como "Post Acid", "Green Eyes", "Super Soaker", "King Of The Beach" ou "Demon To Lean On", todas elas retiradas dos dois discos que fazem a segunda vida de Nathan Williams depois da auto-destruição em Barcelona e da viral "So Bored", que foi pedida mas não executada. E pelo barulho imenso que saía daquelas cordas, claro. Isto é rock e o rock vale sempre a pena.

Voltando ao Coliseu e, agora sim, a Woodkid: simplesmente não há palavras que o descrevam. Entramos ali, desconhecedores, à espera de uma folk choninhas, a julgar pelas descrições que havíamos lido ou obtido de terceiros sem sequer ter picado, e somos brindados com uma secção de sopro, três bateristas com formação militar, um teclado que nos faz sentir muitas, mas muitas coisas e um jovem que parece saído de um qualquer gueto ou filme cliché sobre hip-hop mas que faz esta música maravilhosa, sublime, banda-sonora épica de filmes por acontecer - e, o que é melhor, que a trata precisamente como se fora hip-hop ou tivesse essa energia do hip-hop; pense-se nos xx com uma orquestra a acompanhá-los ou qualquer outra referência mais próxima e nada estará sequer perto daquilo que Woodkid é capaz de fazer quando lhe dão espaço para rebentar. Que é algo, igualmente, que o Coliseu ia fazendo, tal era a enchente para ver este senhor francês com disco de estreia editado este ano e que se ia movendo ao mesmo tempo que os braços deste, que entoava as melodias chegando até a pasmar o próprio autor, que acabou a noite em completa apoteose e euforia e a pedir mais, muito mais. A Wikipedia chama-lhe neofolk e de facto há ali algum Death in June misturado com o sabor pop da temporada, de forma a que o público em geral consiga deitar-lhe a mão sem temer o fantasma fascista ou algo que o valha. Mas é também superior a qualquer rotulagem. Tanto, que a dada altura Yoann Lemoine (é este o seu verdadeiro nome) nos pergunta se estamos preparados para dançar e de imediato transforma o espaço lisboeta numa rave minimal que não soaria estranha numa cassete com os êxitos dos Safri Duo - e isto é um elogio, atenção. Já escrevemos maravilhoso e sublime. Falta soberbo, mágico, incrível, ou o Priberam inteiro. Ou muito nos enganamos ou estão aqui os novos The National, Tindersticks, Alt-J, xx ou qualquer outra banda de culto que encha salas por cá. Nisto não nos enganamos certamente: podem fechar 2013 em matéria de concertos que não há mais nada para se ver aqui.
· 01 Dez 2013 · 21:08 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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