Buraka Som Sistema
Coliseu dos Recreios, Lisboa
10 Nov 2011
À hora a que lerem este texto já passaram 11 minutos e 11 segundos das 11 horas desta sexta-feira de Novembro (dia 11/11/11). Dizem que o palíndromo de 12 dígitos é perfeito para grandes decisões (os Black Sabbath, por exemplo marcaram uma conferência de imprensa para hoje, prometendo um “anúncio especial”, que parece rimar com regresso oficial…); quem não ligar puto a numerologia sempre pode fixar o momento: parece que outra sequência semelhante só daqui a cem anos. Mas na véspera, em Lisboa, a palavra de ordem foi celebração e não decisão. O novo álbum dos Buraka Som Sistema é como uma Caixa de Pandora versão festa, e quando se abre liberta ritmos e danças de forma contagiante, como um vírus. Milhares de enfermos preencheram o Coliseu, uma massa humana heterogénea, unida pela vontade de partilhar momentos na companhia de uma banda portuguesa que não se preocupa com rótulos nem fronteiras. A entrada em cena dá o mote para um espectáculo montado ao pormenor, mas sem perda de espontaneidade. Eficácia meets inspiração e muita transpiração. Nos ecrãs laterais a vida surge presa por um fio, uma pulsação apenas nos separa da morte; mas, à medida que o ritmo aumenta, o brilho afasta a escuridão e o calor faz esquecer o frio invernal, fazendo os corpos despertar da letargia. Grande intro para um single-bomba de Komba: “Hangover (BaBaBa)”, pois, com Blaya – de shorts justos e capa vermelha, como uma provocante Super-Mulher –, Kalaf e Conductor a juntarem-se a Fred, Riot (bateria siamesa tipo Buraka) e J-Wow. Podem começar os tumultos no movimento Occupy Coliseu, com lugar a derivações dubstep. Estamos no Coliseu dos Recreios, mas podíamos estar num clube enorme ou num festival a céu aberto, que não há colete-de-forças para conter a energia espalhada pelo palco e pela plateia.

© Mauro Mota

Os Coliseus podem já não ser o pico da montanha para as bandas, mas continuam a ser salas com um carisma muito especial. E carisma é algo que não falta aos Buraka, que tocam “Lol & Pop” com a intensidade no máximo, como que a sublinhar a carga sarcástica da letra, enquanto Kalaf passeia elegância pelo segundo anel do palco, junto a J-Wow. “Sound of Kuduro” faz um flashback até ao antecessor Black Diamond, sem M.I.A. mas com Blaya a justificar por que é um membro (de corpo inteiro) deste colectivo. Kalaf, o anfitrião perfeito, incentiva os presentes a aproveitarem cada dia, hora, minuto… antes de desejar as boas-vindas ao swing electrónico de “Komba”, ritual que ao vivo pedia um pouco mais de gás. Num concerto dominado pelo mais recente disco, há lugar também para resgatar “Yah!” a From Buraka to the World, com o apelo animal que lhe é característica, numa espécie de interlúdio. «Quem tem o Komba?», interroga Kalaf no final, para muitos braços se manifestarem, compradores e piratas no mesmo pacote. “Eskeleto” abana, requebra, com trejeitos de kustep, e Blaya prova que dançar ainda não paga I.V.A., embora seja um espectáculo. “(We Stay Up) All Night” é o hino noctívago por excelência (para consumir com sexo, substâncias ou insónias), um dos pontos altos da noite, com a voz de Conductor a ecoar entre ritmos irresistíveis, antes de Blaya ensaiar um “samba 3000” como intro para “Aqui Pra Vocês”, uma das músicas que mostra o sentido de humor inteligente e descomplexado da banda.

© Mauro Mota

«E quando eu entro vocês gritam…», incita Conductor, para o Coliseu repetir em uníssono «Buraka!!». O ritmo sobe como o défice dos países da Zona Euro, e não há pacote de austeridade que abrande a jam entre Fred, Riot e J-Wow, que a certa altura sai do seu posto para manipular um ipad – Steve Jobs pode ter desaparecido, mas um dos seus contributos para a globalização esteve em palco, ao serviço da música. Um tema que funciona muito bem ao vivo é “Voodoo Love”, com Blaya a receber a companhia de Sara Tavares, num dueto com aquela doçura viciante que deixa lágrimas nos olhos ao terminar. Num concerto em que “celebração” é a palavra mais repetida não podia faltar Pongo Love, que canta “Kalemba (Wegue Wegue)” ao lado de Kalaf, Blaya e Condutor, naquele que foi talvez o momento em que a solidez das fundações da sala de espectáculos mais esteve à prova. O concerto prossegue batida atrás de batida, salto após salto, à boleia da “Candonga”, e depois (muito mais de) vinte miúdas invadem o palco, dançando enquanto uma chuva multicolorida sublinha o arco-íris de ritmos que pintou a noite de tons garridos. Os rostos dos elementos da banda (com mais atitude em palco do que muitas congéneres roqueiras) fundem-se no ecrã em forma de caveira que preenche a capa de Komba, antes da pausa que anuncia o encore. Já não seria necessário mais para classificar a festa como tendo sido de arromba (mesmo para os que não seguiram para a after party no Lux), mas ainda há direito a tarrachinha entre Kalaf e Blaya e a um cheirinho de “Vem Curtir”. E, como que a relembrar que podíamos ficar ali toda a noite, bis para “(We Stay Up) All Night”, com lembranças a voarem para as mãos dos fãs, e “All Night Long”, de Lionel Richie, a dar o mote para a saída. A próxima celebração não terá lugar sete dias após o derradeiro suspiro de Lisboa, como no ritual que dá título ao último registo dos Buraka; tem data marcada para o próximo dia 19, no Coliseu do Porto.

© Mauro Mota
· 11 Nov 2011 · 21:55 ·
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
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