Festival Optimus Alive!11
Passeio Marítimo de Algés, Lisboa
06-09 Jul 2011
A imagem que marca o terceiro dia deste festival é um enorme palco vazio durante horas a fio. A arena por onde iriam passar os cabeças-de-cartaz, 30 Seconds to Mars, de Jared "Fight Club" Leto, e Chemical Brothers, esteve em risco de fazer figura de obra embargada, ou seja, de não ser habitada por ninguém. Estas bandas lá haveriam de tocar, mas antes correu baba e ranho, houve desmaios e muita ansiedade por parte - principalmente - dos adolescentes fanáticos pelos 30 Seconds to Mars. Na conferência de imprensa que se seguiu ao concerto de Chemical Brothers, Álvaro Covões, da Everything is New, explicou que os três primeiros concertos de hoje (Klepht, Pretty Reckless e You Me at Six) foram cancelados devido a questões de segurança. Os técnicos responsáveis pelo material que é pendurado no palco chamaram a atenção para uma viga que não lhes dava confiança, e a organização chamou um grupo de engenheiros para darem a sua opinião. A decisão de cancelar esses concertos foi, assim, tomada para dar tempo aos técnicos para assegurarem a segurança dos artistas e do público. A estrutura acabou por ser reforçada por duas gruas, o que possibilitou que os cabeças-de-cartaz actuassem, embora com cerca de uma hora de atraso. Explicações dadas, como é da praxe, sinceramente estive um bocado alheado de tudo isto, que a acção nos palcos secundários - principalmente no Super Bock - chegava e sobrava para as encomendas.

3º dia

Quando cheguei ao recinto, no palco da Super Cerveja (também gosto de Sagres, atenção, mas ficava-me mal cuspir no copo em que bebi) já tocavam os brasileiros Massay. Apresentavam o seu EP de estreia (Tempo Reverso), cujas cópias iam distribuindo; informavam que em breve iriam lançar o primeiro LP; diziam que estavam muito contentes por actuar em Pórtugáu - tudo entre uma espécie de ressaca nu-metal para encher o saco da galera. As nove horas de avião que fizeram não foram lá muito bem empregues. Nem os cerca de vinte minutos que passei a ouvi-los, nomeadamente a tocar uma cover de "Killing in the Name", de Rage Against the Machine, com algum sotaque e caretas do guitarrista, que emulava os solos de Tom Morello.

Felizmente, esta viria a revelar-se a única pedra no sapato do alinhamento de bandas a que assisti nas horas seguintes. Antes de regressar ao palco Super Bock fiz uma perninha ao Optimus Clubbing, onde os londrinos Scanners aproveitaram a meia hora que lhes foi concedida como um futebolista que sai do banco para decidir o jogo. Guitarra, sintetizadores, uma voz que nos momentos mais graves fez lembrar P.J. Harvey e malhas que podiam rebentar no dancefloor. Embora este quarteto misto (duas elas, dois eles) toque um indie-pop com energia para da(nça)r e vender, ainda havia quem conseguisse ler, deitado sobre o tapete verde, Num País Livre, do Nobel V.S. Naipul. Enfim, desde que vi a conferência-de-imprensa do Futre já pouca coisa me surpreende...

Para dançar também, mas num registo mais hedonista, os ingleses Friendly Fires fizeram abanar muitas ancas (a dona duns certos calçõezinhos vermelhos que o diga), em temas de pulsão electro-disco ou acid jazz, como "Jump in the Pool" ou "Paris", que ao vivo ganham uma força extra. A grande marca deixada pelos Cure também anda por aqui, seja na sonoridade da banda, seja na voz de Ed Macfarlane, que dança com a pinta de quem não se rala em vestir roupa foleira. Fecharam em grande, com "Kiss of Life", durante a qual as projecções da ave de plumagem multicolor que faz a capa do recente Pala se fundiram com o fumo que invadia o palco.

Se na véspera o Deus Iggy Pop dera um daqueles concertos que mostram às bandas imberbes como é que se rocka a sério, hoje foi a vez de Nick Cave fazer o milagre da transformação da poesia em vísceras. Em versão Grinderman, o músico australiano chegou de fato escuro, camisa branca e sem bigode - deve ter pensado que na banda já havia pêlos faciais suficientes - para pregar bem alto "She´s a Heathen Child". O público (entre o qual se encontrava o fadista Camané, que repetiu "Muito bom! Muito bom!") acompanhou o salmo eléctrico de braços no ar e entoou "Worm Tammer", "When My Baby Comes" ou "No Pussy Blues" em jeito de coro litúrgico. As palavras de Nick Cave - todos o sabemos - têm força, e aqui ganharam a potência de um exército que avança sobre posições inimigas. Como quando berra repetidamente "I Just Want To Relax", durante "Kitchenette". E antes de "Love Bomb", tocado no encore, foi a vez do guitarrista (e compositor galardoado) Warren Ellis se imolar em palco e soltar faíscas por todo o lado. Se o que arde cura, saímos dali revigorados de corpo e alma.

Os/as fãs dos irmãos Leto que me perdoem (não é que esteja lá muito preocupado com isso), mas eu preferiria assistir a um concerto do Marco Paulo do que à actuação de 30 Seconds to Mars. Dito isto, Rob Garza deve ter andado a divertir-se pela noite do Bairro Alto, ou pelo menos foi isso o sugerido pelas imagens que passaram no écran antes dos Thievery Corporation entrarem em palco. Mas o seu cúmplice Eric Hilton não o deve ter acompanhado na boémia, tal como não deu sinais de vida no Alive - nota: quem não reparou que este é um sério candidato a trocadilho mais imbecil de sempre é um ovo podre. A banda de Washington anda com um caldeirão sonoro pelo mundo fora, e a mistura de dub, acid jazz e bossa nova transformam-na numa máquina de groove para ambientes lounge. E quem não gosta de ouvir as suas composições açucaradas numa festa frequentada por carinhas larocas que atire a primeira pedra. Como objector de conciência, rendo-me ao melaço dos temas (como "Radio Retaliation", "Amerimacka" ou "The Heart´s a Lonely Hunter") tocados à medida que vocalistas iam entrando e saindo de cena. Desta vez foi a vertente dub a predominar, com a maioria do tempo de antena a cargo do trio de vocalistas rasta. Uma horinha de concerto que deixou água na boca para uma apresentação mais aprofundada do recente Culture of Fear.

Devido aos problemas técnicos já referidos, os manos Chemical Ed e Tom subiram ao palco já passava bem das duas da manhå. Fecharam a noite com os big beats electrónicos que compõem a sua discografia, como "Hey Boy, Hey Girl" ou "Do It Again". Tudo embrulhado numa parafernália de lasers e projecções (de cavalos-autómatos a borboletas, passando por um palhaço que podia ter saído do filme de terror Clownhouse) que transformou o passeio marítimo de Algés numa discoteca a céu aberto, onde os mais resistentes continuavam a espremer esta terceira jornada até à última gota. A saga electro haveria ainda de prosseguir para muitos deles, após a injecção dos Chemical Brothers.
Hugo Rocha Pereira



A verdade é que os Fleet Foxes hão-de ter levado quase tanta gente ao Alive como os 30 Seconds To Mars. Ok, não, mas dado que os fãs destes últimos não valem puto enquanto pessoas, a maior moldura humana foi sem dúvida a que esteve no secundário a apreciar os belíssimos jogos vocais dos barbudos de Seattle, o que se percebeu quando Robin Pecknold entra em palco para o soundcheck e de imediato recebe uma enorme ovação. Ainda temi que pudessem vir a sofrer da síndrome James Blake de ter de aturar o ruído de fundo, mas nada a apontar. Perfeito do início ao fim. Debruçando-se tanto sobre o mais recente Helplessness Blues como sobre o disco homónimo de estreia em 2008 (e até aos EPs), os Fleet Foxes apresentaram uma hora e pouco de excelentes canções. Como "Sim Sala Bim", a belíssima "Mykonos" e "Your Protector", apresentada de uma forma absolutamente enérgica. Se isso não é por si só suficiente para cortar a respiração, "White Winter Hymnal" surge em todo o seu esplendor para colocar pessoas a cantar. E ainda houve tempo para "Ragged Wood", para a sublime "He Doesn´t Know Why" e para um final em grande com "Helplessness Blues" (I was raised up believing I was somehow unique / Like a snowflake distinct among snowflakes, unique in each way you can see / And now after some thinking, I´d say I´d rather be / A functioning cog in some great machinery serving something beyond me: um verso destes não merece menos que aclamação). E há ainda a possibilidade de cá voltarem. E nós lá estaremos outra vez.

Há decisões na vida que nenhum melómano deveria ter que fazer: ficar para ver Nick Cave e os seus Grinderman a arrasar no palco secundário, ou sair meia hora depois do início para apanhar uma das bandas que mais marcaram na adolescência? A escolha é difícil, e voltou a cair - já que no ano passado troquei Devendra Banhart pelos Moonspell (gozem à vontade) na opção nostálgica. Felizmente que compensou. Os Atari Teenage Riot, mesmo tendo tocado apenas meia hora, regressados ao activo com um álbum em grande (Is This Hyperreal?), e com Alec Empire e a bonita Nic Endo agora acompanhados pelo MC CX KiDTRONiK, mostraram aos putos que encheram a tenda de forma considerável como se mistura gabber com punk e como se faz a puta da festa anárquica completa com os slogans da praxe. Putos que muito provavelmente nem sequer sabiam quem eram os ATR - à minha frente tinha um com uma t-shirt enfeitada com toda a espécie de logótipos dos grandes monstros da internet, como o Youtube e o Google, e no palco Empire usava uma onde se lia keep the internet free from government control, o que me parece assim de repente um choque incrível de gerações. Só do novo álbum se ouviu ATR, o que é obviamente uma desilusão para os fãs mais acérrimos, igualmente desapontados com o novo símbolo da banda (volta, estrela vermelha dos Baader-Meinhof) e com a ligação a um idiota como Steve Aoki, que no final aparece para ajudar à prestação de "Codebreaker" e recebe a maior ovação do concerto, o que é uma ignomínia tremenda. Fica a música. E o cyberpunk a rigor que mostrou estar bastante satisfeito com "Black Flags". Are you ready to testify?

Às três da manhã, caído de sono das horas em que não o tive na madrugada anterior, e com o corpo dorido em todos os lados após o enorme concerto dos Thievery Corporation (superiores em tudo a Iggy Pop, ou talvez não, talvez eu diga isto só para vos chatear, talvez eu esteja a falar a sério, you will never know...), e saindo do concerto tardio dos Chemical Brothers após ouvir "Hey Boy Hey Girl", que andava a rodar na minha cabeça há alguns dias, queimei o tempo que faltava até ao primeiro comboio com o electro-rock sem grandes consequências - mas também sem grandes males - dos Digitalism, que vieram apresentar o recente I Love You Dude juntamente com as malhas de Idealism que fizeram com que as pessoas gostassem deles em 2007, incluindo a indispensável "Pogo". Um bom concerto a fechar o dia, que ainda conseguiu levar bastante gente à tenda - temia-se que tal não sucedesse quando a dois minutos de começar estavam lá quinze pessoas.
Paulo Cecílio
· 11 Jul 2011 · 00:18 ·
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net

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