Om / Gabriel Ferrandini
ZDB, Lisboa
30 Jan 2011
Dado o seu papel transversal, capaz de unir malta vinda do Metal, do rock mais musculado (seja o Stoner ou a variante Sludge dos Harvey Milk), de todo e qualquer psicadelismo e de alguma música mais aventureira (com selo de aprovação na Wire), não foi, de todo, surpreendente a enchente que recebeu os Om no Aquário da ZDB. Um miscigenação que só fica bem, e acaba por ser imagem de marca da própria Galeria.

© Mauro Mota

A escolha do solo de bateria de Gabriel Ferrandini foi disso mesmo reveladora, a levar muitos metalheads (err, facção conservadora?) a coçarem a cabeça de espanto perante aquilo que estavam a ver. Entre alguma incompreensão e surpresa. É óbvio que um concerto de bateria a solo nunca foi tarefa fácil para ninguém. Mas, já há muito tempo que se reconhece o papel ímpar do jovem Ferrandini no panorama burgo. Seja com os grandes (Rodrigo Amado ou John Butcher) ou com projectos que têm vindo a fervilhar recentemente (duo com Pedro Sousa, ACRE ou a colisão, muito recente com Pedro Gomes).

© Mauro Mota

Dada esta convivência estética, será inevitável compará-lo ao (também gigante) Chris Corsano, também este autor de um concerto memorável nesta sala centrado nas potencialidades de um instrumento tão fascinante quanto (falsamente?) intransigente. Mas, Ferrandini foi diferente. Imperou um ataque tão preciso quanto aberto para divagações, insistindo num poder de fogo que trouxe, a espaços o trabalho de pratos de Tony Oxley. Exigindo uma desenvoltura física (a escalada poderá ter um papel preponderante) que obedece a processos mentais tão complexos quanto instintivos. Pelo meio, foi reinventando o drone, maximizando as suas capacidades harmónicas através de parafernália diversa (embora relativamente conservador neste campo) arrancando um despique dinâmico entre textura e ritmo para simbiose final. Um teste bem fodido, que este wonder kid superou com distinção. Já se torna habitual este discurso laudatório. Sempre merecido.

© Mauro Mota

Dada a bi-dimensionalidade dos Om, seria imperioso um som de sala poderoso mas suficientemente cristalino para que as composições revelassem todo o seu potencial envolvente com vista à elevação. Com “Meditation is the Practice of Death” a abrir as hostes, ficou desde logo clara a ideia de que o som fazia jus à produção de Steve Albini, apesar de alguma estridência nos pratos da bateria, a que não será imune o ataque fortíssimo de Emil Amos. Ficou também patente que este é um baterista muito mais solto do que Chris Hakius, espalhando breaks abrutalhados (mas precisos) por tudo quanto era sítio em “Ray of the Sun – To the Shrinebuilder” (do split com Current 93). Sobre o esta secção rítmica que é o cerne dos Om (Al Cisneros encarna o estereótipo “stoner” na perfeição, já agora), Rob Lowe ia dispondo texturas de teclados, muitas vezes enviesando por motivos arabescos, dando uma maior profundidade ao som trademark do duo (Variations on a Theme foi um título mais do que sucinto). Tonalidades que se viriam a revelar de modo mais enfático na colagem da muito groovy “Cremation Ghat I” à sua sequela "espiritual", sem quebras num ambiente, já de si, enraizado desde os primeiros acordes.

O ar denso da sala, veio a dissipar esse mesmo ambiente, com o regresso a Conference of the Birds via “At Giza” a sofrer de uma passagem demasiado longa de teor atmosférico que não chegava a lado nenhum e se revelava incapaz de elevar os espíritos em uníssono. Espíritos que louvaram o trio no palco para um regresso com “Bhima's Theme” numa roupagem diferente, depois de uma intro onde Lowe ia fazendo uso das suas capacidades xamânicas para voz à beira da ruptura, e culmina num grito libertador com a entrada da bateria. Seguiu-se a cavalgada pesarosa que faz do headbanging um acto de meditação. Ou, os Om.
· 02 Fev 2011 · 19:26 ·
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
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