Matt Valentine & Erika Elder
Jardins de Serralves, Porto
05 Jun 2005
No passado domingo de 5 de Junho de 2005, a festa em Serralves foi bonita (e gratuita, como já havia sido no sábado). Quer fosse na casa, no museu ou no parque de Serralves, havia sempre qualquer coisa a acontecer: exposições, percursos, teatro de rua, muita música (jazz, electrónica, improvisada, contemporânea, sinfónica, de câmara, experimental), instalações, performances, dança contemporânea, teatro infantil, marionetas, novo circo, malabarismos, debates, visitas guiadas, leituras, uma mini feira do livro e muitas mais coisas. Havia até uma menina que por duas vezes gritou “Alguém quer ir para a cama comigo?”, e foi preciso um funcionário dos correios devidamente identificado se oferecer para que o pedido fosse satisfeito. De resto, não era preciso andar muito para encontrar em cada canto, em cada esquina, as mais diversas actividades. E às 3 da tarde era a vez de uma actuação muito especial: a de Matt Valentine e Erika Elder. Como chegaram em cima da hora, apenas tiveram tempo de sair do transporte que os trouxe até ao Porto e armar tudo em cima do palco situado dentro de uma mega tenda branca montada no campo de ténis. Por isso tudo, actuaram sem antes terem feito qualquer sound check, mas como se provou, a música de ambos existe muito para além de particularidades técnicas. Existe, e coabita, como se de elementos da natureza se tratassem.

Quem conhece o trabalho de Matt Valentine sabe que esse “montar tudo em cima do palco” não pode ser muita coisa. Uma guitarra acústica, alguns pedais e um microfone - o seu universo musical não necessita de muito mais para ganhar vida. Erika Elder, a sua companheira, faz-se acompanhar alguns instrumentos, sendo que um deles era o dulcimer (e o outro, uma espécie de mini guitarra com quatro cordas apenas). Ambos, lançaram já uma série de discos/CD-Rs (alguns deles “editados” no selo de Matt Valentine, a Child Of The Microtones) e passaram agora por Portugal (Galeria Zé dos Bois e Serralves, em absoluta estreia nacional) para a apresentação do MV & EE Medicine Show, tendo o mais do que aconselhável Lunar Blues como registo de passagem bastante provável. Poder-se-ia falar das canções de Matt Valentine e Erika Elder como sendo precisamente blues lunares, mas o primeiro encarregou-se de descrever a música de ambos logo no início do concerto: “Cosmic Welcome Music”, anunciou Matt Valentine, segundos antes da chegada dos primeiros sons vindos das florestas de Vermont e da música folk. Há uma guitarra (a de Valentine) que, envolta em nevoeiro, cria uma aura de misticismo e espiritualidade a que se junta a sua voz peculiar - quando Matt Valentine explora o lado menos melódico da música, assemelha-se a Jandek.

Surge então um tema que Matt Valentine diz chamar-se “Cold Rain”, cantado a duas vozes. Erika Elder preenche as construções de Matt Valentine, complementando-as com delicadeza. Ou então, imensamente tímida, começa em jeito a cappella uma canção sobre o diabo onde mais tarde se junta Matt Elliott em modo blues longínquo. Depois do agradecimento por parte de Matt Valentine aos que haviam tornado possível a sua vinda a Portugal (um deles, Pedro Gomes), partiu juntamente com Erika Elder para uma peça incluída em Cosmic Dust & The Electrobeam Hermit Thrush (Child Of Microtones 2004) com o titulo “Future Raga”. Como o próprio nome indica, “Future Raga” é uma (extensa) raga com a sensação de fio da navalha, com os olhos nos tempos vindouros. Ao trabalho da guitarra de Matt Valentine (aqui mais virtuoso do que nunca), juntam-se flautas, algum slide guitar e o trabalho essencial de Erika Elder. A raga terminou com Matt Valentine a adicionar alguma distorção a uma peça que resume na perfeição o universo dos autores de Lunar Blues: um universo de sombras e jogos de luzes, da lua e sol, dos deuses e do diabo, da morte e da vida, da solidão e do reconforto, da infinita beleza da folk.
· 05 Jun 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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