Festival para Gente Sentada 2010
Cine-Teatro António Lamoso, Santa Maria da Feira
26-27 Fev 2010

Noiserv © Joana Mendonça

Não é preciso ser especialmente patriótico para perceber que Noiserv, o único artista nacional representado no cartaz, mereceu cada um dos minutos que ocupou na primeira hora do segundo dia. Rodeado por teclados, um glockenspiel e um metalofone, David Santos (Noiserv) necessita apenas das suas canções para justificar a sua presença. Canções essas que parecem documentar dias cinzentos num reino distante. Tal como o desenho de fundo, que, em tempo real, vai ganhando nuvens e pontes, no laptop operado pela prima Diana Mascarenhas, também as músicas de Noiserv vão acumulando ou perdendo elementos, num jogo de composição que aborda temas adultos com as cores de uma palete de criança. E, se “Bifo” é uma amostra fiável do que aí vem, podemos ir já afiando as facas.

Dakota Suite © Joana Mendonça

Depois de Noiserv, eis que surge o mais penoso momento do festival, quando a gente sentada sofre colectivamente com as canções de Dakota Suite, aqui solitariamente interpretadas pelo mentor Chris Hooson. Dizer que o homem vive rendido à melancolia é pouco: uma em cada duas músicas fala de suicídio. Como se isso não fosse suficientemente incómodo, Chris Hooson persiste em intercalar as músicas com tortuosos testemunhos pessoais. A congruência vacila quando Chris começa por referir que todas as canções são inspiradas pela noiva, acrescentando, de seguida, que determinado tema relata o dia em que “chorou como uma criança” por causa de certa reviravolta do Everton. A subtileza ficou em Liverpool. A pretensão, sim, está lá em cada fotografia e num Chris que se disponibiliza para responder a questões que ninguém quer fazer. O pior é reparar que a diferença entre as músicas é igual à que separa o branco do mais branco. O embaraço leva a que algumas pessoas abandonem a sala. Trezentos bocejos não podem estar enganados. Tudo isto culmina em provincianismo, quando Chris Hooson diz que “Lisboa é uma merda”. Sim, o Cardozo pode ser pretexto para canções bem tristes.

Camera Obscura © Joana Mendonça

No seguimento de tão deprimente demonstração, a pop açucarada (twee!) dos Camera Obscura consegue ser ainda mais eficaz como antídoto para todo o tipo de males que, aos poucos, possam ocupar a vida de estudantes nem sempre capazes de conjugar obrigações académicas com corações destroçados. Muito mais fácil que isso é ficar refém de canções como “Tears for Affairs” ou “Forests and Sands” à medida que o charme de Tracyanne Campbell (impecável senhora da frente) e Carey Lander (teclista que apetece levar a beber uns copos) surte o seu efeito. Em pouco tempo cai também por terra aquele equívoco que associa constantemente os Camera Obscura aos Belle & Sebastian – os primeiros são bem mais despreocupados e transparentes. Além disso, a banda escocesa provou ser subtil na resposta tardia a Lloyd Cole, na passagem por “Lloyd, I’m Ready to be Heartbroken” (momento para levar para casa), e vigorosa na mini-apoteose My Bloody Valentine que encerrou “Razzle Dazzle Rose” e o concerto. A Camera Municipal da Fofura ganhou certamente mais uns quantos eleitores no Gente Sentada. Nuno Catarino pode continuar a dormir descansado.
· 02 Mar 2010 · 01:10 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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