Há nova música a ser feita em Portugal. Há uma espécie de nova comunidade feita por gente que se cansou, provavelmente, do estado das coisas e se agarrou ao barulho, ao ruído, às entranhas como forma de explorar a música. Editam em CDR, editam em net labels (hats off to Test Tube), ensaiam pequenas editoras de CDR, cuidam do artwork, fazem vénia ao DIY e à home made music. Nesta óptica, o CDR surge como uma espécie de testemunho do presente e incitamento do futuro pois, diz-se, quase todas estas bandas mudam completamente de concerto para concerto. E quais são estas bandas? São os Loosers, os Gala Drop (que ainda há pouco estiveram no Porto na abertura do concerto dos Excepter), os Frango e os CAVEIRA – todos eles de Lisboa. São os Dance Damage – quais são as probabilidades? – de Santo Tirso e mais alguns projectos que ainda não atingiram a “visibilidade” dos nomes mencionados mas que ameaçam fazê-lo em breve. Nestas coisas é tudo uma questão de tempo.
Frango © Ana Sofia Marques |
Por tudo isto, o concerto no Passos Manuel - tire-se o chapéu também (e de que maneira) ao trabalho que se tem desenvolvido naquela que se tornou provavelmente a sala mais interessante da cidade do Porto – funcionava como uma espécie de teste, de declaração de intenções, de auscultação do movimento e da sua aceitação. Mas o que parece é que a cidade do Porto anda meia adormecida, perto do desfalecimento - pelo menos a ver pela quantidade de pessoas que aparecem neste tipo de eventos. E este evento havia de começar com a actuação dos Frango, o projecto que editou Sitting San pela Test Tube. Os Frango fazem-se de duas guitarras, uma bateria e um baixo e criam peças que procuram a conciliação entre a tranquilidade embrionária e a tensão proposta por camadas densas de ruído - com poucas variações, de tons acinzentados - que acabam por surgir de forma natural. A percussão é forte, quase violenta, mas é nas guitarras que se centra a música dos Frango. Entre essas edificações, os Frango aventuram-se por experimentalismos: o baterista deixa de o ser para tomar conta de uma terceira guitarra e o clima transforma-se num de exploração dos instrumentos mas, verdade seja dita, os Frango são mais interessantes quando estão a construir do que a desconstruir.
Dance Damage © Ana Sofia Marques |
Os Dance Damage já não são os mesmos da maqueta Don't Pray in Public, nem na formação da banda, nem no rumo musical. São agora três em palco, abandonaram a estética pós-punk e aventuram-se agora pela exploração do barulho. O baterista surgiu em palco com uma máscara similar às dos Lightning Bolt e foi-se juntar a Pedro Magina e André Abel, que se preparavam para mais uma celebração dos Dance Damage. E a celebração agora faz-se de palavras de ordem cada vez mais urgentes gritadas por Pedro Magina, de ataques furiosos de percussão, de rádios e cassetes que reproduzem algumas mensagens, teclados, mais investidas enfurecidas na guitarra e até mesmo um cavaquinho (tocado ou utilizado como percussão). Ao mesmo tempo que se afastaram do pós-punk, os Dance Damage criaram um som mais próprio, mais simples e mais visceral que pode ser conferido no CDR Level Your Hearts at Dawn ou no fresquíssimo CDR single Excavator.
Loosers © Ana Sofia Marques |
Mas não são só os Dance Damage que estabeleceram uma mudança estética radical no seu som. O mesmo aconteceu com os Loosers, que parecem ter fugido a sete pés de qualquer rótulo com a música dos Liars. Tiago Miranda também já não parece o mesmo; com as longas barbas chegou uma espécie de aura de espiritualismo que se manifesta claramente. Dos Loosers sabe-se agora que se afastaram radicalmente do formato canção e que os seus concertos nunca são iguais. A actuação foi algo relâmpago, mas começou por um exercício maioritariamente instrumental feito de muita percussão, baixo e programações electrónicas. Depois veio a voz, os temas mais dinâmicos e – surpresa – a participação dos membros do público. Tiago Miranda foi distribuindo pelo público partes da bateria e baquetas, e incitou até a subida ao palco dos músicos improvisados. Só subiu Pedro Magina dos Dance Damage e o espanto era um pouco geral: ninguém sabia muito bem aquilo que lhes tinha atingido.
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