Festival Offf Lisbon 2008
Fábrica de Lisboa, Lisboa
8-10 Mai 2008
A hora de almoço do último dia de festival é marcada por um episódio surreal e provavelmente inédito para grande parte dos presentes: o espaço reservado às conferências, que alberga pelo menos um milhar de pessoas, recebe a Agence7Seven para sessão de esclarecimento e exibição não-censurada de uma campanha publicitária dedicada à marca de roupa Shai que tinha por “anzol” o download gratuito de uma série de vídeos pornográficos iguais a tantos outros. Infelizmente, a pouca subtileza do momento resultou num redondo turn offf colectivo. A actuação dos intérpretes nem sequer era particularmente convincente.

Jorge Castro

Jorge Castro © Teresa Ribeiro

O currículo e características de Jorge Castro aproximam-no do seu homónimo que havia actuado no dia anterior. Contudo, Castro prefere um plano mais térreo: arrasta os ouvidos presentes por uma árida paisagem que vai sendo pontuada por aquilo que parecem ser os sons da fricção e peso exercido pelo calçado de quem percorre um cenário típico (e rochoso) de um filme da saga Mad Max.

Feltro

Feltro © Teresa Ribeiro

Curadores deste país estejam atentos: André Gonçalves (dantes Ok.Suitcase., agora Feltro) pode até não estar disponível para casamentos e baptizados, mas, ao que parece, oferece todo o tipo de imaginativas soluções a instalações audiovisuais para as quais possa ser convidado. A surpreendente simplicidade da sua actuação fez com que fosse a mais memorável que conheceu a sala Loopita naqueles três dias: primeiro, André deixa a rodar o que podia bem ser um diário sonoro de um quarto em Lisboa e aproveita o automatismo disso para vir cumprimentar com simpatia alguns amigos. Depois fez-se magia: o tal diário de sons (que admitia a intrusão de algumas ressonâncias e outras linhas contínuas) foi sendo combinado com a “pilotagem” de um ou dois balões suspensos no ar controlados pelo próprio através de uma ventoinha. Para quem tinha saudades do esvoaçante saco plástico de Beleza Americana ou da bola Wilson cujo desempenho transcende a interpretação de Tom Hanks em O Náufrago, o momento Felto foi a todos os níveis brilhante.

Steinbrüchel

Steinbrüchel © Teresa Ribeiro

Em relação a todas as performances que a sala tinha conhecido até então, a de Steinbrüchel distinguiu-se por encontrar o suíço sentado entre o público (e não em palco) acompanhado apenas por um laptop (com o monitor ao acesso dos olhares mais indiscretos), um Doepfer Pocket Dial (aparelho analógico cheio de botões rotativos) e aquilo que aparentava ser um disco externo (talvez quitado). Trabalhando ainda o conceito iniciado com o recente Basis, Steinbrüchel procedeu a uma dosagem morosamente subtil e altamente invocativa de componentes acústicas em estado bruto, tal como colhidas aos arquivos dos discos Happiness Will Befall de Lawrence English (espiritualmente presente na recta final do set) e Theory of Machines de Ben Frost.

@c + Lia

@c © Teresa Ribeiro

A presença conjunta de @c (unidade portuense formada por Miguel Carvalhais e Pedro Tudela) e Lia (pioneira de relevo na arte de software e Internet tão celebrada no Offf) forma aquilo que pode ser uma espécie de dream team no plano nacional (aliado ao internacional) em termos de espectáculo (sim, espectáculo) audiovisual de índole pós-digital permanentemente sujeito ao risco que isso implica. A informal cerimónia de encerramento da sala Loopita (sucedida pelo show-offf digital e “pirotécnico” de seguida ocorrido no mais amplo espaço de conferências) equivaleu a um tour de force radical em que os laptops artilhados da dupla @c produziram toda a radio@tividade e aparato-adubo necessário ao florescer desenfreado das meias-luas com que Lia ia inundado o mosaico gráfico, variando as movimentações entre técnicas de contraste, colisões várias, manutenção e destruição de padrões. Foi como se os @c e Lia se tivessem chicoteado e abusado mutuamente no jardim anormalmente fertilizado de Dr. Mabuse. Um final monumental.
· 08 Mai 2008 · 08:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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