Clubbing
Casa da Música, Porto
16 Fev 2008
Nem é preciso andar muito atento ou informado para perceber que este Clubbing era dos grandes; daqueles que dificilmente - ou de todo - se pode perder, correndo o risco de perder alguns dos melhores momentos do ano. Com os Pere Ubu claramente à cabeça (e em concerto único em Portugal), o festim de Fevereiro era também espaço para uma apresentação de projectos islandeses – com os múm como representantes maiores (e com disco novo na bagagem). Previsivelmente, os bilhetes esgotaram e o ambiente era, como já começa a ser habitual, de festa; o Porto do Clubbing nem parece o de uma cidade com pouco mais de 200 mil habitantes. O Porto do Clubbing, o Porto dos interessados pela cultura e pela arte devia mostrar mais vezes os dentes – e tudo o resto passível de ser visto em presença nos eventos que se vão propondo pela cidade.

O motivo maior da romaria era claramente os míticos Pere Ubu, liderados agora e sempre por David Thomas. Aquela que foi (e é) uma das bandas mais influentes dos últimos 30 anos (especialmente nos períodos do pós-punk e da new-wave), dito assim curto e grosso, terá dado um dos melhores concertos que a Casa da Música alguma vez já viu. O arranque prometeu imediatamente uma grande noite: das guitarras libertava-se a energia esperada, do theremin soltava-se o ruído que tornava a oferta mais atraente, da voz de David Thomas erguia-se a esquizofrenia habitual nos Pere Ubu. Mas percebeu-se desde cedo que a coisa não iria ser fácil; visivelmente incomodado pelas deficiências sonoras, David Thomas abandonou o palco e deixou o resto da banda a tocar sozinha. Pouco depois o palco ficou completamente vazio, depois dos músicos terem seguido a atitude do líder. Depois de alguns momentos de suspense os Pere Ubu voltaram ao palco e voltaram à carga, com David Thomas aparentemente a insultar e a atiçar os seus músicos.

Pere Ubu © Angela Costa

A música dos Pere Ubu faz tanto sentido hoje como fazia no final dos anos 70. Talvez faça mais até. E por isso quando David Thomas faz a passagem por The Modern Dance, os Pere Ubu recuam no tempo sem recuarem no tempo: “The Modern Dance”, a canção, continua a ser um dos manifestos mais inevitáveis dos últimos 30 anos. A influência dos Pere Ubu pode não ser hoje tão detectável como a de outras bandas, mas ela existe. Mas porque os Pere Ubu não existiram apenas nos anos 70, David Thomas fez questão de mostrar que os seus anos 90 valem muita atenção: de Ray Gun Suitcase rebentou a electrizante “Folly of Youth”, de Pennsylvania saltou uma das melhores canções de sempre dos Pere Ubu (apresentada por David Thomas como a sua favorita): “Sad. TXT”, frontal e auto-suficiente. E nesta última, David Thomas aproveitou para lembrar as mulheres que o tempo as vai apanhar eventualmente, e que nem sempre poderão ser o que são agora, enquanto jovens. Mas falou também da próstata e de crises de meia-idade; David Thomas assumiu-se abertamente como ex-punk e parece estar a viver bem com isso.

Pere Ubu © Angela Costa

Mas mais do que as canções (isoladamente), a aparição dos Pere Ubu valeu essencialmente por ter tido todos os grandes ingredientes que deviam fazer sempre parte da música rock: a incerteza (de que o concerto pudesse chegar ao fim), o confronto (com o público e com terceiros), o desafio. No meio de alusões a Britney Spears e a Justin Timberlake (sublinhando que aquilo que os Pere Ubu abordam nas canções nada tem que ver com o mundo destas duas estrelas da música), David Thomas aproveitou para lançar o ataque ao líder dos Radiohead: um decidido “Fuck Thom Yorke” saiu da boca do frontman dos Pere Ubu e foi direitinho às bocas de alguns (bastantes) presentes que repetiram a frase com uma convicção surpreendente. Mas para além do show (por vezes um pouco off), fica na memória uma aparição dos Pere Ubu que, não podendo provavelmente ser comparada com os primeiros tempos da banda, teve muito de memorável e histórica.

múm © Angela Costa

Num contexto totalmente diferente, na primeira parte da sessão dupla da Sala 2, actuaram os islandeses múm. Com Go Go Smear the Poison Ivy confortavelmente na bagagem, e com uma estrutura diferentes dos inícios, a banda islandesa, cada vez mais uma família, apresentou-se na Casa da Música e não o começou da melhor forma. Só depois de uns primeiros 20 minutos de certa forma desinteressantes é que os múm mostraram porque é que são uma proposta interessante há alguns anos para cá. A família justifica-se pela grandeza dos arranjos deste último disco; longe vão os tempos da auto-suficiência electrónica de Yesterday Was Dramatic – Today Is OK. Hoje há em palco uma pequena orquestra de músicos que dão vida (e muita) a canções como “Blessed Brambles”, "They Made Frogs Smoke 'Til They Exploded", dois dos temas que, feitas as contas, ao lado de alguns dos temas mais antigos, fizeram com que o concerto dos múm acabasse por ser um concerto com nota positiva.
· 16 Fev 2008 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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