Little Annie + Paul Wallfisch
Casa das Artes, Vila Nova de Famalicão
09 Fev 2008
Little Annie é o oposto de um estreante nas lides da música, da performance livre, do palco, do entretenimento, do espectáculo enfim. Até se concentrar nesta espécie de cabaré moderno, que vem agora apresentar a Famalicão, a artista abraçou variadas tendências e estilos desde o punk à música experimental, mantendo-se sempre na mira da vanguarda. Desse percurso nasceram colaborações com diversos músicos e trabalhos a solo de assinalável singularidade. Não passou muito tempo desde que Little Annie visitou Portugal para apresentar Songs from the Coalmine Canary. Foi em Março passado, na Fundação de Serralves, que esta polivalente performer deu a conhecer aquele que é agora o seu penúltimo registo que havia sido co-produzido por Antony e obtido alargados elogios. O prato que nos vem servir hoje, cerca de um ano depois, constitui mais um dos seus arrojos. Desta feita, When Good Things Happen to Bad Pianos é o mote para a actuação e a razão da ousadia deve-se ao facto de o conteúdo deste seu último trabalho ser constituído na íntegra por covers de temas celebrizados pelos mais diversos e inesperados intérpretes. Ao vivo, o interesse poderia sair reforçado. Era esperar para ver.

Para este espectáculo, a diva underground faz-se acompanhar de um segundo protagonista em palco. Trata-se de Paul Wallfisch, que nos últimos tempos tem sido comparsa de Annie nas cantigas, tendo a seu cargo a execução dos temas ao piano, o único instrumento utilizado. Little Annie é uma forte apreciadora de Frank Sinatra, o que, à partida, implica entretenimento garantido. Essa sua afeição por Sinatra é também facilmente detectável no seu total à-vontade face ao público, o que atesta uma nítida vocação para o palco, em detrimento do estúdio. E não pode obviamente deixar de se produzir a rigor. Da indumentária preta à maquilhagem carregada, Annie vai dando ares de personagem boémia e controversa.

E depois, que dizer de um alinhamento que nos propõe reciclagens de temas como “Private Dancer” de Tina Turner ou “I Still Haven’t Found What I’m Looking For” de U2? Estas são amostras do registo de covers editado recentemente. Outra ainda, interpretada já no regresso ao palco para encore, foi a versão de “Ne Me Quitte Pas”, a composição que conhecemos da voz cortante de Jacques Brel, aqui em versão anglo-saxónica. Mesmo cingindo-se ao domínio musical, este não deixava de ser um espectáculo de variedades. Além de temas mais antigos, foi também possível ouvir três novas composições, passíveis de integrar um futuro álbum. E há monólogos, frases rectóricas, comentários em tom ora jocoso, ora inofensivo. E há uma voz grave, rouca e incisiva que demora a diluir-se na memória auditiva dos ouvintes. Os ouvintes, contudo, não eram em quantidade expressiva.

Ao longo de uma hora e meia, Little Annie viu-se e desejou-se para transportar para a Casa das Artes o seu número de cabaré mix que Nova Iorque contextualiza na perfeição. Acontece, porém, que Famalicão não tem (ainda) o arcaboiço dos pólos Porto e Lisboa para acolher em apoteose, quer isto dizer, com enchentes dignas de registo, um ícone do género. Assim, a performance da multifacetada Little Annie reuniu no auditório famalicense apenas cerca de um quarto da capacidade da sala, o que atesta de certo modo essa inadequação do espaço face à feição artística em questão. Contrariamente a este cenário, o espectáculo supracitado, em Serralves, havia conhecido um outro ajustamento, dada a apetência do local para espectáculos do género (relembrem-se, apenas a título de exemplo, as actuações esgotadíssimas de Kiki & Herb, o duo subversivo e igualmente afecto ao formato cabaré). E se, deste modo, se justificam as ausências notadas em Famalicão, tudo o resto aqui escrito abona a favor da modesta massa de público que acorreu à chamada da irreverente norte-americana.
· 09 Fev 2008 · 08:00 ·
Eugénia Azevedo
eugeniaazevedo@bodyspace.net

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