Urban Vibe
Casa da Música, Porto
14 Abr 2007
Para receber a noite Urban Vibe a Casa da Música saiu o cenário modernista que é o seu edifico e desceu para o undergroung. Que é o mesmo que dizer que o parque de estacionamento situado debaixo do edifício foi o espaço escolhido para realizar um evento ambicioso, parte das cerimónias de celebração do segundo aniversário da casa que se tornou símbolo do Porto moderno. Quis a organização da Casa da Música reunir numa noite o funk favela do Brasil, o grime de Londres e o kuduro progressivo estabelecido em Lisboa. O ambiente era mesmo o de festival. Bares da Super Bock e palco no final do recinto. Talvez porque as pessoas tenham visto nos nomes anunciados uma esperança de chegar mais tarde ao local, quando os Tetine entraram em palco eram ainda poucos aqueles que se encontravam no cenário.

Tetine © Ana Sofia Marques


Tetine © Ana Sofia Marques

Quando os Tetine entram em palco salta imediatamente à vista a pouca roupa de Eliete Mejorado e da outra bailarina/vocalista que acompanhou a dupla. A dupla é Bruno Verner e Eliete Mejorado, que se juntaram em São Paulo em 1995 para uma carreira eclética estilisticamente. Agora vivem em Londres conscientes da crescente exposição dos territórios que exploram. Lançaram as batidas nas máquinas e ofereceram uma actuação extremamente visual e libidinosa: os três em palco moveram-se na frente do mesmo de acordo com a atitude da música que as colunas libertaram. O funk favela não foi sempre directamente entregue mas foi presença constante. Bruno Verner, de calções e gorro, foi o primeiro a assumir a frente do ataque mas depois foi Eliete Mejorado a liderar as operações. E foi ela que conseguiu alguns momentos mais lascivos da actuação. A visão dos Tetine do funk favela parece por vezes demasiado arty, mas apesar de alguns momentos menos bons, os Tetine conseguiram passar bem a mensagem que se tornou máxima da banda: “L.I.C.K. my Favela”.

Para Deize Tigrona a mulher que subiu ao palco depois dos Tetine apresenta um ar bastante inofensivo. Mas é quando a linguagem de baile funk se instala e se funde com as batidas disparadas por um DJ que se começa a sentir ambiente de favela do Rio de Janeiro. Se a actuação dos Tetine pareceu erótica a de Deize Tigrona foi pornográfica. Não houve um segundo em que o sexo não fosse arma de arremesso. Deize Tigrona reclamou a autodeterminação da sua buceta e ainda injectou mensagem política (com a critica ao afamado “mensalão”, a polémica em redor do presidente Lula). Ela que era empregada doméstica até Maio de 2005, vinda da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, é a moça que, dizem, abala os domínios da rainha do funk.

Deize Tigrona © Ana Sofia Marques

Tudo aconteceu quase em medley, aparente improviso. No meio daquela imparável e excitante exibição de funk favela, “Injeção”, o êxito maior de Deize Tigrona fez especial mossa: “Quando eu vô ao médico, sinto uma dor / Quer me dar injeção, olha o papo do doutor! / Injeção doi quando fura / Arranha quando entra / Doutor assim não dá minha poupança não aguenta! / Tá ardendo mais ta entrando / arranhando mais ta entrando / Tá ardendo mais ta entrando / arranhando mais ta entrando”. “Ai, doutor que dor! Ai, médico que dor!”, conclui Deize Tigrona. Pelo meio há ainda tempo e espaço para o “Tapinha” e para “Glamourosa”, o mega hit de MC Marcinho, plena de “poesia funk”: “Se quiser falar de amor, fale com o Marcinho / Vou te lambuzar, te encher de carinho / Em matéria de amor todos me conhecem bem / Vou fazer tu vibrar no meu estilo vai-e-vêm / Minha gatita doida vou te dar beijo na boca / Beijar teu corpo inteiro, te deixar muito louca / Vêm, vêm dançar, impine o seu popozão / Remexe gostoso e vai descendo até o chão”. Nessa mesma canção diz-se algo que com certeza Deize Tigrona deve concordar: “O funk do meu Rio se espalhou pelo Brasil / Até quem não gostava quando ouviu não resistiu”. E em tempos em que o funk favela se espalha cada vez mais pelo mundo, a paragem pela cidade do Porto foi de enorme sucesso.

Dizzee Rascal © Ana Sofia Marques

De Londres para o Porto, Dizzee Rascal. Vinha com os dois discos lançados nos últimos anos numa mão e com o próximo disco (Maths and English) na outra. Entrou em palco com a dureza que se desejava, na companhia de um DJ e de outro MC. Dizzee Rascal ofereceu às centenas de pessoas que se encontravam no espaço uma intensa e excitante mistura de hip-hop/grime/garage que chegou a fazer-se valer de “Crazy” de Gnarls Barkley e do baixo de “Another one bites the dust” dos Queen para cumprir os seus intentos. Ambiências muitas vezes pesadas (e barulhentas), volumes no máximo e canções do próximo disco que deixam antever um terceiro álbum excitante. Alguns momentos de interacção entre Dizzee Rascal e o outro MC foram também pontos positivos, numa actuação sempre bem conseguida e, em certas alturas, excitante.

Buraka Som Sistema © Ana Sofia Marques

Para fechar a noite chegava o fenómeno Buraka Som sistema, uma das grandes estaladas ao cenário musical português dos últimos tempos. Eles estão no centro das atenções de muito boa gente e nos próximos tempos vão reeditar o EP de estreia (From Buraka to the World) com selo da Sony e ainda marcar presença nos festivais de Roskilde e Glastonbury (entre outros). São eles aqueles que ameaçam levar mais longe o kuduro progressivo que tem em “Yah!” o seu hino. E foi “Yah!” precisamente o primeiro grande momento da actuação, com a adorável Petty em grande destaque: provocadora e perigosa, é um dos pontos fortes de uns Buraka Som sistema em grande momento. Menos inocentes do que em outros concertos – diz-se – mas consistentes. Trouxeram ao palco os brasileiros Bonde do Role na remix que fizeram ao tema “Gasolina” e mostraram a um público conhecedor e expectante os melhores momentos de From Buraka to the World. Numa óptima actuação (onde por vezes se instalou uma certa loucura de parte a parte), os Buraka Som Sistema mostraram que não são hype nem brincadeira. Antes, são uma banda para ser levada a sério.
· 14 Abr 2007 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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