Quinteto Tati
Maus Hábitos, Porto.
09 Abr 2005

Pelo reduzido número de vezes que acontece por terras do norte, um concerto de Quinteto Tati na cidade do Porto deveria merecer excursões, filas, bilhetes na candonga a 50 euros, gritos. Num mundo perfeito, o Quinteto Tati encheria o Coliseu do Porto, J.P. Simões seria o nosso Primeiro-Ministro e os seus textos seriam leitura obrigatória nas aulas de Português do ensino secundário. Mas afinal de contas quem é que quer um mundo perfeito quando podemos ter o mundo real nas palavras do mesmo J.P. Simões? País curioso este, o nosso. Na rua que tem num lado o espaço Maus Hábitos e no outro o Coliseu do Porto, duas “faunas” distintas cruzavam-se: uma, em maior número, encaminhava-se para assistir a “Kiss Kiss”, uma comédia musical que tem como cabeça de cartaz Fernando Mendes, uma das mais redondas figuras da comédia portuguesa a la Malucos do Riso; a outra, subia umas longas escadarias para assistir ao concerto do Quinteto Tati, a banda liderada por J.P. Simões e Sérgio Costa. Dos Belle Chase Hotel, é certo e sabido, pouco ou nada sobrou para o Quinteto Tati: talvez só a provocação e a mania persistente de fazer grandes canções, cantadas em português.

© Francisca Valente

O Quinteto Tati é, na verdade, um sexteto (e por vezes até mais do que isso). J.P. Simões só saiu dos bastidores para mostrar a cara quando o instrumental “Créditos Finais”, o tema que encerra Exílio e que ironicamente abre muitas das actuações do Quinteto Tati, se acabou de desenhar. Depois, na companhia de Sérgio Costa (teclas), Miguel Nogueira (guitarra), Rui Alves (bateria e percussão), Pedro Pinto (contrabaixo e baixo eléctrico) e Daniel Tapadinhas (trompete), começou por dar vida a “Valsa Quase Anti-depressiva”, um carrossel louco onde todas as voltas são revestidas de imensa melancolia: “Já enchi os dias de lutas vazias / estou gasto, cansado e dormente / E a um pouco de sexo, ou muita poesia / ainda não fico indiferente”. É uma pequena viagem de maratona por um lago de metadona coberto de teclados e pela cadência da guitarra de Miguel Nogueira. Tal como no disco, seguiu-se “Rumba dos Inadaptados”, a mordaz história de um jovem que não toma drogas, não é alcoólico, paga todas as suas contas e mesmo assim não é aceite pelos demais; seguiu-se “Suor e Fantasia”, ou o amor como elixir do convencimento da renúncia ao trabalho comandada por assobios (“Todo o dia e toda a noite / Só suor e fantasia / Quem julga que é fácil / experimente levitar sobre o Tejo”); seguiu-se Carta Tardia e as suas ambiências feitas de seda e veludo, de saudade e ternura.

Como não poderia deixar de ser, os intervalos entre as canções são aproveitados por J.P. Simões para soltar os seus comentários mordazes. Teceu comentários sobre a auto-evidência “You are what you eat, dedicou canções a torto e a direito, fumou, bebeu e pediu mais vinho, provocou uma onda de incessantes gargalhadas, fumou, fumou, fumou – J.P. Simões é o sonho das tabaqueiras. Percorreu “Gota d’Água” de Chico Buarque, brincou com as características peculiares da gravação do “3 Pistas” para a Antena 3, tocou guitarra, apresentou todos os seus músicos (apresentação com direito a brilharete solista de cada um dos músicos), apresentou “Mais Uma para o Caminho” e “Um Fado Qualquer”, um tema que, como o próprio referiu, constitui uma espécie de fado suburbano - e brincou, mostrando trejeitos de fado na voz e na forma como atacava o microfone. Verdade ou não, ”Um Fado Qualquer” é uma canção comovente, pincelada por uma guitarra acústica e pelo contrabaixo tocado com arco. E como é possível não se falar em “A Flor da Vida, a Arte do Encontro, etc”, manual fiel do encontro cego e, necessariamente, da génese da vida? A propósito, J.P. Simões relata: “Sem hesitar, ele levou-a para o apartamento / e ela contou-lhe em pormenor o tormento / das máfias da emigração que matam sem compaixão / Ficaram lá por casa, ele era um jovem só / e ela começou a fazer pão-de-ló / Certa noite, a gratidão / desenfreou-os pelo chão". Surgem então aleluias divinos, por terem visto, por fim, a luz ao fim do túnel.

© Francisca Valente

“Vai já passar” surgiu, doce e plena de esperança, e terminou com J.P. Simões – e os membros da sua banda – a simular uma saída em palco para depois voltar para o encore. Brincou com a previsibilidade dos encores e comentou: “ Dizem que Deus quando fecha uma porta, abre duas janelas”, referindo-se às duas janelas da sala, único escape possível para uma retirada de cena sem a necessidade de passar pelo meio do público. Guardavam-se ainda, para a alegria de muitos, quatro temas para o encore: a nebulosa “No Jazz” (a única canção em inglês, que em disco conta com a voz feminina de Petra), uma versão de “Rosemary”, um tema original de Scott Walker (a excelente versão dos Quinteto Tati para Rosemary surge na compilação Angel Of Ashes - A Tribute To Scott Walker, editada na Transformadores), “Inventário Marítimo” e, de novo, “Suor e Fantasia” numa versão que, perto do final, atingiu os 120 km por hora. Por tudo isto e muito mais, a única coisa certa a dizer para finalizar este texto é que um novo disco do Quinteto Tati, que na verdade é um sexteto, é por demais bem-vindo.

· 09 Abr 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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