Quinteto Tati
Tertúlia Castelense, Maia
12 Mar 2005
À partida, o Tertúlia Castelense parece ser o local ideal para um concerto do Quinteto Tati. Tal como o bar, a banda de JP Simões e Sérgio Costa encerra algo de muito antigo.
A sua música tem algo de cortinados vermelhos, candeeiros projectando um amarelo a menos de meia-luz e mesas de madeira escura, preenchidas por vozes que se entretêm numa boa conversa. O espectáculo anuncia-se relaxado e relaxante, embalado na voz quente de JP e dos instrumentos e nas suas metáforas desconcertantes. A sala está cheia.

Alguns minutos depois da meia-noite, entram em palco os artistas. Antes, uma bandeja com copos e uma garrafa de vinho tinha feito a mesma viagem. É-nos indicado o caminho rumo ao Exílio do único álbum da banda através da instrumental que encerra o disco, “Créditos finais”. A melancolia acalma-nos, não nos assusta. Assim começa o primeiro concerto do Quinteto Tati no distrito do Porto. Depois, abrindo caminho por entre as mesas aconchegadas, eis o vocalista que nos habituámos a ver nos Belle Chase Hotel. Traz com ele um pedido de desculpas pela demora – devido a um “problema digestivo” – e uma “Valsa quase antidepressiva”. Pede-nos que dancemos com ele a chegada da Primavera mas que o façamos “sem sonhos”. Fala de poesia e é um poeta quem canta, à nossa frente. JP Simões mostra porque é um dos melhores letristas de Portugal.

De olhos fechados e o cigarro fumegando entre os dedos, o concerto continua pela ordem do álbum. Saímos da valsa para uma “Rumba dos inadaptados (ou a morte do jovem contribuinte” onde um homem de vinte e três anos que faz tudo bem confessa a sua infelicidade. “Suor e fantasia”, uma das melhores de Exílio, põe a sala mais animada. Para quem estava habituado aos Belle Chase Hotel, o Quinteto Tati soa menos ritmado, mais intimista.

A música mais “Chico Buarque” do grupo, “Carta tardia”, com a imagem não muito comum de JP Simões com uma guitarra nas mãos, antecede uma versão de “Gota de água”, do músico brasileiro, influência óbvia da banda e em particular do vocalista, que se confessa “viciado no homem”.

Depois de uma pequena “crise” que tem como protagonistas o baterista Rui Alves e o ar condicionado, chegamos a “Um fado qualquer”. Canção simples, com um início em flauta, onde o fado é não só música mas destino, soa a solidão nocturna, nostalgia muito portuguesa.

Acordamos de novo para “A flor da vida, a arte do encontro”. É uma história cómica de “aleluias” e “missões da vida” que nos fala dos “sonhos dos tontos”. Até aqui já tivemos quase tantos minutos de música como das intermináveis récitas de JP sobre tudo e mais alguma coisa. Cada frase sua põe a sala em delírio, em gargalhadas deliciosas. Apesar de dizer que não faz “stand up comédia”, JP Simões tem mais piada do que a maior parte dos humoristas e acima de tudo, faz uso de uma inteligência e cultura notáveis para preencher espaços entre canções, onde outros diriam apenas “obrigado, vocês são os maiores”.

A noite vai longa, o sábado já deu lugar a “Um domingo sem Deus”. O trompete de Daniel Tapadinhas torna mais morna a surpresa optimista de “Vai já passar”. Com este pensamento positivo, o Quinteto Tati sai de cena, com a certeza de o fazer por pouco tempo.
No regresso para um encore consideravelmente longo, JP Simões traz vinho entornado no casaco e exibe-o sem complexos. Há algo de boémio neste espectáculo. Não é uma nódoa que afecta a classe de músicos destes. Viajamos pelo som íntimo, quente, sombrio de “No jazz”. No fim, JP diz que “sem problemas, as pessoas matam-se”. Sem problemas, não haveria a poesia de uma noite a ouvir música. Na segunda homenagem da noite a um grande músico, o Quinteto de seis elementos oferece-nos “Rosemary”, de Scott Walker. De lista na mão, JP descreve-nos uma “Lisboa no fundo do mar” e regressa a uma das melhores da noite, “A flor da vida”.

A noite acaba com JP Simões a cantar “e os mistérios do amor, os encontros, desencontros, não são mais que o torpor que vive nos sonhos dos tontos”. Acrescenta “como eu”. E vai-se embora. Regressa momentaneamente do Exílio para ajudar a arrumar os instrumentos. Para o nosso bem, JP e o Quinteto Tati voltarão em breve ao seu mundo, o da criação, para que usufruamos das suas fantasias “tontas” de sonhadores incorrigíveis.
· 12 Mar 2005 · 08:00 ·
Carlos Luís Ramalhão
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