DIA 2 |
08/08
Toranja
Gomos
a menos
A
difícil tarefa de quem, como os Toranja, abre
as hostilidades do palco principal com os últimos
feixes de luz solar ainda a cair sobre a Herdade da
Casa Branca deve ser tida em conta como sinal de brio.
Como se sabe, com um público ainda a meio gás
e sem o aproveitamento das potencialidades dos jogos
de luz, um concerto não tem a mesma capacidade
de adesão da audiência. Mesmo assim,
as pessoas aderiram, ainda que em pequena escala.
Com um início algo atribulado (o som exterior
estava cortado e só se ouviam - bastante mal,
diga-se de passagem - as colunas de palco), os Toranja
conseguiram demonstrar, ainda que não numa
dose categórica, porque são considerados
uma das promessas da música cantada em Português
e devedora dos cantautores nacionais. É verdade
que continuam para muitos presos ao fantasma Jorge
Palma, mas, convenhamos, Tiago Bettencourt mostra
uma boa capacidade na feitura de canções
com letras que são certeiras no que dizem.
O concerto foi extremamente pequeno (não chegou
aos trinta minutos), com os maiores picos energéticos
a penderem sobre o single de avanço “Cenário”
e também sobre o tema que finalizou, “Bola
de Futebol”. Pelo meio, o momento mais intimista
ocorreu quando Bettencourt se sentou ao piano para,
quase sozinho, cantar “Carta”. TG
Blind
Zero "Com Palma e talento chegamos lá"
Surpreendente
para muitos daqueles que, ao início da noite, já ocupavam
o seu lugar fronte ao palco, o concerto dos portugueses
Blind Zero revelou-se indubitavelmente como o concerto
rock’n’roll desta edição do festival do Sudoeste
(se tomarmos em conta que os Primal Scream não são
apenas feitos de rock). Com uma noção certeira de
espectáculo e de efervescência musical, Miguel Guedes
e companhia mostraram, ali, que um concerto – na sua
perspectivada significação – pode ser uma perfeita
combinação entre teatro, entretenimento e energia
rock inesgotável. Durante a quase hora que o espectáculo
permaneceu em pé, a banda portuense soube conquistar
um público que teria certas dúvidas sobre o estado
actual dos Blind Zero, precisamente por os ter deixado
por alturas de Trigger, álbum que hoje já
pouco diz do que a banda é em álbum e ao vivo. A
Way To Bleed Your Lover parece ter colocado os
Blind Zero numa posição cobiçável no parco panorama
rock de origem nacional e isso reflecte-se, claramente,
em cima do palco. Miguel Guedes é hoje um dos melhores performers (nacionalmente falando) a par de
Adolfo Luxúria Canibal e Manuela Azevedo. E quem esteve
presente perceberá facilmente do que falo. Por sua
vez, Miguel Ferreira – também dos Clã – veio trazer
ao universo dos Blind Zero, por meio dos seus teclados,
ambientes alucinantes que permitiram imprimir novas
sensações aos temas já por si ásperos dos Blind Zero.
Resumindo, a adolescência passou-se-lhes para trás
das costas.
Sangue, punk e cólera, em motim rock, percorreram
uma actuação fugaz mas histórica na vida do Sudoeste.
O momento mais alto terá sido, porventura, a subida
ao palco de Jorge Palma – aplaudido carinhosamente
pelo público - para, com a banda, interpretar «The
Down Set Is Tonight», um raro momento calmo dentro
de uma actuação com escassas pausas, e o seu «Bairro
do Amor», ali transformado num rock amargo e cru,
território já parente à banda de Miguel Guedes. Engane-se,
no entanto, quem ousou pensar que o espectáculo ficou-se
por estes dois momentos mágicos. Temas como «Trashing
The Beauty», «Wish Tonight», «About Now» ou os mais
expostos «Big Brother», «You Owe Us Blood» e «Another
One» trouxeram àquele espaço de tempo quilos imensos
de energia e rendição e colocaram, de forma invejável,
corpos em chamas. O que, aliás, jamais poderá ser
coisa má. TC
Suede A obsessiva obsessão pelo passado
Longe vão os tempos
em que os Suede eram peça fundamental na galáxia pop
europeia e em que espalhavam glamour por onde passavam.
Em 2003, a banda de Brett Anderson é meramente uma
extensão pouco ousada do seu (digno) passado. Deste
modo, a segunda passagem dos Suede pelo palco do Festival
Sudoeste [na primeira edição foram cabeça-de-cartaz
de uma das noites] feita de muito glam rock, suor
e passado veio apenas provar esta infeliz situação.
Não foi de modo inocente que a banda optou por apresentar
um alinhamento pouco arriscado, centrado essencialmente
nos singles que elevaram o seu estatuto em meados
da década de 90 e, em menor número, nos singles dos
últimos dois álbuns que passaram, aliás, ao lado da
crítica e do público. Os Suede propuseram-se, assim,
a agarrar um público que maioritariamente não era
o seu e venceram, mesmo que sem grandes alaridos.
Como solução para uma possível inércia relativamente
à actual fase, a banda encontrou a transposição para
palco de um best of da sua carreira. Ironicamente, A New Morning, o último álbum, passou de
rajada naquele palco.
Anderson - energético e comunicativo q.b. - e companhia
não quiseram incomodar muito e, de facto, cumpriram.
A energia pairou pelo ar em explosivos hinos rock
como os mais velhinhos «Animal Nitrate», «Filmstar»,
«Trash» e «Beautiful Ones» - estes dois últimos cantados
em delírio colectivo - ou no novo «I Love The Way
You Love Me». Os mais recentes «Can’t Get Enough»,
«Obsessions» e «Electricity» (este raramente tocado
em Portugal) também comunicaram bem com os milhares
de corpos que os ouviram e lhes reagiram. As coisas
acalmaram – fisicamente - em baladas saturadas como
«Positivity», «She’s In Fashion», «Everything Will
Flow» ou a derradeira «Saturday Night». No final,
ficou a sensação de que este seria um excelente concerto
algures em 1996. O que é um facto é que estamos em
2003 e muito pouco mudou no interior criativo dos
Suede. TC
Jamiroquai
Teste:
Até onde vai a tua paciência?
Algumas
horas antes da sua entrada em palco, Jay Kay já circulava,
de boca em boca, um pouco por todo o lado. Ele era
Jamiro na praia, no campismo, nos chuveiros, nos restaurantes...
Na noite mais concorrida de todo o festival, uma multidão
assombrosa e dissemelhante esperava, com grandes expectativas,
o novo rei do funk. Mesmo quem estava de pé atrás,
debruçava-se para ver o que se iria suceder em palco
quando Jay Kay e os Jamiroquai o pisassem. Prometia-se
festim.
O concerto começou do melhor modo imaginável. "Canned
Heat" e "Cosmic Girl" serviram de mote às primeiras
danças e ondas de pó. As temperaturas tinham indubitavelmente
subido. Aparentemente a noite estava ganha. Pelo menos
para muitos esteve. Para outros como eu, a partir
deste momento o espectáculo foi-se perdendo em excessivas
e repetitivas extensões de alguns temas do senhor
de "Virtual Insanity", o qual, para decepção de muitos,
não foi tocado. Seria tudo diferente se as longas
interpretações fossem dotadas de insanos improvisos
ou desvarios mas o que tivemos oportunidade de assistir
foi a uma mera repetição inconsequente da linha-base
de cada tema tocado. A paciência começava a ser testada.
A banda esteve competente e Jay Kay - vestido de branco
- não esteve mal nas suas danças e intervenções (brilhante
a tirada da auto-aclamação de bom rapaz que leva todas
as noites leite com chocolate à mãe e que nunca fumou
um charro), mas faltou alguma loucura. Os "high times"
que se esperavam ficaram-se pelo caminho e, apesar
do profissionalismo demonstrado, Jay Kay sabia que
podia fazer melhor. Ainda esboçou pedaços de loucura
no final mas a festa ficou-se por aí, por um "Deeper
Underground" muito rock groovesco e selvagem que soube
a pouco. Pelo meio "Love Foolosophy", "Alright" e
mais meia dúzia de alguns dos temas mais obscuros
da sua carreira encheram as medidas a uma maioria
rendida aos encantos do baixinho-gigante do funk.
Outros como eu esperavam algo mais. A palavra semi-desilusão
nunca se aplicou tão bem. TC
Primal
Scream Vivos
e em forma...
Aos Primal Scream coube
a árdua tarefa de actuar após a maior enchente do
festival. E perante uma debandada considerável do
público optaram por um inicio menos arrojado, numa
toada coesa, em que a electrónica foi esquecida por
momentos, como que tentando fixar um público.
Talvez tenha sido "Shoot Speed/Kill Light", que manteve
muita da audiência para o resto do concerto, mas foi
a partir daí que tudo aqueceu… Em "Autobahn 66", do
último Evil Heat, os atributos dos
Primal Scream encantaram. Os excessos, a dança, o
rock e as distorções marcaram o início de uma série
arrasadora de músicas - "Rocks", "Medication" e "City",
entre outras - nas quais já foi visível a procura
do disforme e de vários caminhos por cada elemento
do grupo, quase que tocando independentemente, para
depois surgir a coesão.
Um concerto em que a excentricidade, a potência e
a criatividade marcaram presença, acabando por ser
um dos momentos mais altos do festival. Contrariam
o início do concerto ("I Wanna Die"). Estão vivos! MM
2
Many Dj's Com
um pé na dança, outro no rock e outro
no whatever
Estavam os Primal Scream a animar «os
resistentes» no palco principal com «Miss
Lucifer» quando me dirigi ao Planeta Sudoeste.
Dentro e para além deste, milhares de festivaleiros
esperavam celebração mesmo depois de
um suado exercício de ginástica que
a comparência num concerto dos Jamiroquai exige.
Parece ser esta a tendência do futuro do Sudoeste:
cada vez mais e melhores alternativas ao palco principal.
A actuação dos 2 Many DJ’s neste
espaço alternativo é prova cabal desta
nova realidade.
A julgar pela longa duração do set,
pelas danças em modo «non stop»
e pela cada vez maior afluência ao espaço,
a prestação dos 2 Many DJ’s terá
constituído, para os que a presenciaram, um
dos momentos mais entusiásticos de todo o festival,
muito provavelmente porque a fórmula encontrada
pela dupla - os irmãos David and Stephen Dewaele
- para atrair públicos de campos tão
diferentes como o r’n’b, o hip hop, o
electro, o techno, o rock, o house ou funk esteja
próxima da composição da demência
colectiva. Ou porque nos encontramos, hoje, mais próximos
de um eclectismo há poucos anos inconcebível.
Ter direito a pedaços de delírio, dança
e alienação numa arena repleta de corpos
ultramóveis só pode ser um senhor privilégio
ou uma dádiva. Não é todos os
dias (noites ou madrugadas) que temos acesso a endiabradas
misturas de um qualquer tema de Nirvana, Chemical
Brothers, Beastie Boys, Beyoncé, Garbage, Royksöpp,
The White Stripes ou Blur, jamais embrulhadas entre
si e entre muitas outras deambulações
tecno, house ou electro. E o nosso corpo, mesmo exausto,
só pode mesmo agradecer...
Os sorrisos na cara, no durante e no pós-set,
são esclarecedores de que a vida com as «músicas
emprestadas» dos 2 Many DJ’s seria bem
menos cinzenta. TC
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