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Gintas K Lengvai / 60 x one minute audio colours of 2kHz sound

2006
Crónica


Não surpreende assim tanto que o apurado faro especializado da Crónica indique muito espontaneamente caminhos diversos até viveiros de talento a que poucos antecipariam a riqueza. Não se trata de sacar um “coelho da cartola†para esbugalhar os olhos ao público expectante (esse que a Crónica continua a consolidar interna e externamente), mas, em vez disso, preencher os requisitos editorais mais favoráveis a que um trabalho de relevo a nível nacional possa pular a fronteira e ser recebido por adeptos de electrónica cuja pesquisa territorial não alcançaria um país como a Lituânia. A bem da sinceridade, devo confessar que Gintas K. (o “k†responde por Kraptavičius) será a primeira descoberta pessoal sequestrada ao reino digital que pode ocultar a Lituânia. Ainda que o nome e proveniência possam provocar alguma estranheza, Gintas K. já conta com um sólido currículo interno, reputação na área do industrial enquanto membro dos Modus e cunho manifestado em colaborações várias durante mais de uma década. Com a habitual convicção, a Crónica decidiu-se pelo formato mega ao tratar de unir no seu vigésimo quarto lançamento dois trabalhos distintos – com a duração de uma hora cada um – que traduzem compreensivamente duas das facetas que preserva o homem que veio do Báltico.

Incidir a lupa sobre Lengvai a partir da perspectiva do país que lhe deu origem fará crer que estamos perante um colosso elaborado por aquecimento laboratorial de texturas e resíduos frios. Ou num sentido mais directo, sensorialmente confrontados por uma triunfante assembleia de mecânicas pós-techno que, por meio de contextualização sensorialmente estimulante de elementos, produzem pequenos desafios lúdicos cuja eficácia imediata é tão invulgar encontrar na Crónica como em discos de tão complexo e preciso labor (e este sucede a vários anos de aperfeiçoamento). Não será levianamente que se atribui o estatuto de dançável a Lengvai (que em português significa facilmente) – depois de dar rédea solta ao que parece ser uma guitarra eléctrica, “Külgrinda†ainda comete o arrojo de roubar alguns pontos a Sutekh e Akufen (Gintas será mais endiabrado que ambos) com o metralhar combinado de “glitch†e graves densos por todo o perímetro que alcança a audição. Além disso, é tal a habilidade para a gradual sobreposição de camadas que movimentos a rondar os 15 minutos nunca chegam a entediar. As quantidades avulsas de perfurantes sons micro-tonais – intercaladas pela breve aparição de uma voz totalmente deformada por cirurgia digital - surgidas bem perto do ponto final de “Early Set†e, coincidentemente, de Lengvai, servem como prenúncio ao que reserva a face 60 x One Minute Audio Colours of 2kHz Sound. Contudo, nada a partir daqui anularia as garantias dadas por Lengvai. Tanto mais quando o auto-suficiente colosso chega certamente para assinalar o seu autor como um nome a ter em altíssima conta no panorama do techno adaptado a absorção cerebral.

Antes de alinhar quaisquer apontamentos com vista à sua descrição, importa frisar que 60 x One Minute Audio Colours of 2kHz Sound muito dificilmente perfaz o gosto musical de alguém, pelo simples facto de por aqui não existir música, mas tão somente um aglomerado de 60 exercícios – de um minuto cada – à espera que alguém os explore como objecto de estudo ou lhes atribua o enquadramento certo numa instalação sonora.. Projectado como uma sucessão de “coloridos auditivos†limitados à frequência reduzida do título, chega a ser insuportavelmente doloroso percorrer alguns dos minutos mais ensurdecedores aqui reunidos. Provavelmente estará aqui um trabalho de revelo para os académicos ou arquivistas de som. Para quem aqui escreve não aparenta utilidade de maior.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
19/08/2006