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Triple Burner Triple Burner

2006
Madrona


Montreal, Canadá. O nome parece não o indicar, mas Triple Burner é na verdade um duo. De um lado Harris Newman, ex-Sackville e Esmerine, do outro lado Bruce Cawdron, conhecido por fazer parte dos Godspeed You! Black Emperor e também dos Esmerine. Em 2001, no primeiro disco a solo de Harris Newman (intitulado Non-Sequiturs), Bruce Cawdron surgia como o perfeito complemento de Harris Newman, escultor assistente de uma folk influenciada no fingerpicking de John Fahey e Robbie Basho. Apesar da electricidade pertencente aos seus projectores anteriores, aqui, tal como já acontecia nos dois discos a solo de Herris Newman, é a folk que dita as suas leis - os Triple Burner são e afirmam-se como folkers e assumem as consequências dessa posição.

Depois da declaração de intenções da introdução “Kevin Saysâ€, a algo agreste “The Wherewithal†assume-se como a primeira verdadeira construção com a assinatura Triple Burner. À guitarra astuta de Harris Newman juntam-se uns clarões sonoros que redobram e sublinham a beleza das matizes acústicas entretanto criadas. Em “Roundabout†os riffs tornam-se ainda mais coesos e hipnóticos, coadjuvados pela percussão alinhada e inteligente de Bruce Cawdron. Tal como acontecia nos Godspeed You! Black Emperor, também aqui Bruce Cawdron tem de lidar com aumentos e diminuições de velocidade dos temas, tendo em conta que “Roundabout†vive dessas alterações de ritmo. A meio do tema já Harris Newman e Bruce Cawdron se transformaram numa eficiente e bem oleada máquina de riffs e percussão, com mais ou menos circularidade mas sempre com os níveis de intensidade lá em cima.

“Bride of Bad Attitudeâ€, feita essencialmente de um riff repetido ad eterno (com poucas variações), é subtil e ao mesmo tempo repentina nos movimentos e mudanças de ritmo. A percussão, sendo minimalista, deixa espaço para que a guitarra de Harris Newman crie suficiente tensão para fazer de “Bride of Bad Attitude†o tema mais hipnotizante e impenetrável deste disco. Logo de seguida, o riff diabólico de “Wall Socket Protector†(que vai beber provavelmente inspiração aos blues do Delta do Mississipi) é a mais evidente das provas que a sintonia entre a guitarra de Harris Newman e a percussão de Bruce Cawdron é tão natural quanto precisa.

Com os seus quase catorze minutos, “The pulse of Parc Ex†começa serena, acumula tensão até explodir controladamente e quando assim acontece volta onde tudo começou: a tranquilidade. A nudez conseguida no início e no fim contrastam com o corpo carregado que manifesta no miolo do tema. Algo com certeza não inocente ou casual. A fechar, “Regresso†pouco ou nada acrescenta ao conseguido até então. Na pior das hipóteses funcionará bem para quem juntar ao hábito de começar os livros pelo fim a tradição de pegar na última das faixas de um disco para o começar a conhecer.

Em Triple Burner, o som parece sempre cru e directo e não deixa grande espaço a segundas interpretações. A produção é simples mas eficiente, suficiente para permitir que cada instrumento respire por si mesmo, sem ajudas de máscaras de oxigénio. Aqui tudo parece ter sido gravado ao primeiro take, como o filme mais puro, sincero e de baixo custo. E é provavelmente aí que reside o maior valor deste Triple Burner: o facto de apresentar nu e em carne viva.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
03/08/2006