bodyspace.net


TV On The Radio Return to Cookie Mountain

2006
4AD / Popstock!


O rock’n’roll não é, nem nunca foi, música branca, mesmo que nos tentem convencer do contrário. Quando muito, algumas das suas manifestações podem ser tentativas de brancos a fazer música de negros, que dão, inevitavelmente, maus resultados que acabam por funcionar bem. Foi assim no rock britânico, quando Mick Jagger e Keith Richards descobriram um ou dois discos de blues e fizeram a sua versão bastarda daquilo e voltou a ser assim no pós-punk quando John Lydon adicionou reggae e world music aos discos dos Yes que já não era foleiro ter, o que reflectia tremendamente o teor ecléctico daquela altura.

Os TV On The Radio são quatro negros e um branco, e é no branco que se centra quase tudo. Na capa da Urb de Julho, David Andrew Sitek está de fato e gravata ao lado de Just Blaze e Dabrye. São, segundo a revista, os produtores mais importantes da actualidade, e é bem capaz de ser verdade. Dos beats devedores da soul e do funk de Just Blaze para quase toda a gente, de Jay-Z a Kanye West, de Foxy Brown a The Game às batidas frias e alienadas de Dabrye para a coqueluche do hip-hop indie faz todo o sentido. O que não faz sentido é, entre estes dois, um tipo do rock. Ou fará?

David Andrew Sitek é, acima de tudo, um produtor magnífico. É ele a razão pela qual os Yeah Yeah Yeahs soam tão bem (isso e terem um óptimo guitarrista e um óptimo baterista), e é ele a cola que segura os TV On The Radio. No princípio, era só ele e Tunde Adebimpe, senhor de uma voz incrível e uma pinta que não lhe fica nada atrás. Negro, diz-se que ao vivo é que se pode comprovar o talento imenso do homem. Tornou-se mais ou menos um cliché dizer que é uma das melhores vozes do indie rock da actualidade.

Mas serão os TV On The Radio indie rock? Em Inglaterra, qualquer banda com um riff que soe vagamente angular é classificada como “indieâ€, e qualquer banda que ache que a britpop não acabou nos anos 90 também. Nos Estados Unidos, qualquer banda que tenha os discos certos, especialmente os da década de 90, é indie. Basta, para isso, aparecer na banda sonora do OC. Já para não falar nos milhares de revivalismos cíclicos das mais variadas faces do pós-punk. Mas os TV On The Radio vão buscar as suas influências a um tempo muito anterior a qualquer uma destas revoluções. Vão buscar tudo à soul, ao gospel, aos blues, a décadas e décadas de música negra, e injectam-lhes, acima de tudo, uma atitude punk e pós-punk e a tecnologia de agora.

De Young Liars até Return to Cookie Mountain, muito mudou. Em Desperate Youth, Blood Thirsty Babes, Adebimpe e Sitek descobriram, do nada, Kyp Malone, barba, óculos e (segundo ele próprio), um natural (e não um afro). Ah, e também guitarra e voz (menos dotada que a de Adebimpe, mas a música não perdeu nada com isso) Já no single “New Health Rock†ganharam um baterista (antes usavam só uma caixa de ritmos). Agora, em Return to Cookie Mountain, têm um baterista e uma caixa de ritmos, o que resulta em brincadeiras interessantes, como no delírio polirrítmico de “Let The Devil Inâ€.

Agora são uma banda completa, mas o trabalho de David Andrew Sitek continua a ser o de juntar bocadinhos de som, utilizando tudo o que há à sua disposição. Dessa forma, temos as vozes de Adebimpe e Malone duplicadas e triplicadas, como as harmonias de vozes que Adebimpe (maioritariamente) tem em “A Methodâ€, de qualquer ponto de vista uma canção enorme, devedora dos Beach Boys e não só, e que, se não fosse a percussão, podia ser a canção a cappella da praxe dos outros discos (no EP era “Mr. Grievesâ€; versão dos Pixies, e em Desperate... era “Ambulanceâ€), mas não perde nada por isso. “There is hardly a method, you knowâ€, a voz doce e os “ooh-oohs†de Tunde, o seu assobio e a percussão avassaladora. Não é preciso mais.

“Province†tem David Bowie a fazer coros, e isto já foi dito mil vezes, mas o Bowie sempre foi óptimo a fazer coros (lembre-se “Satellite of Love†do Lou Reed, de Transformer, e os “pom-pom-pom†de Bowie), e a canção ganha imenso com isso. É um épico que conclui que o amor é uma província dos corajosos. A coragem é necessária para uma banda rock que soa enorme e épica ao mesmo tempo, mas onde as guitarras não são assim tão importantes. Claro, há várias muralhas de guitarras, de som, mas eles soam grandes e fazem barulho principalmente através das batidas e das vozes multiplicadas. “Wolf Like Me†incendeia qualquer pista de dança, uma canção sobre ser-se lobisomem mas gostar-se disso (“but god I like itâ€), e acaba com uma voz feminina (da vocalista dos Celebration, uma banda muito TV On The Radio produzida por Sitek) a dizer “we're howlin’ forever, ooh-ooh.†“I Was a Lover†tem uma melodia de sintetizador que vai parando e arrancando, com o falsete de Malone por cima, “Dirty Whirlwind†é pop negra dos anos 50/60 e “Blues from Down Here†começa quase com um cântico de igreja.

É indie rock? Não é? Devia o indie rock deixar-se de tretas e seguir o exemplo dos TV On The Radio? Não interessa. Return to Cookie Mountain confirma os TV On The Radio como uma das maiores bandas do início do século XXI (não em termos de vendas nem de popularidade, mas em termos de som, são enormes porque soam enormes e o resto não interessa). Não é música branca feita por negros, é gente a fazer música. Que vem de Brooklyn, Nova Iorque, urbana, moderna e invevitavelmente decadente. É a consequência da industrialização e da modernização, tudo isto soa como se estivesse a sair de um armazém prestes a cair. E Sitek junta todas as pecinhas de uma forma magistral, mostrando o seu imenso talento. E, por muitas camadas que tudo isto tenha, no fundo é só um conjunto de óptimas canções, que podem ser facilmente interpretadas por duas ou três vozes e quase mais nada, é esse um dos maiores trunfos deles.


Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
17/08/2006