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Sara Serpa Close Up

2018
Clean Feed


Sara Serpa, portuguesa a residir em Nova Iorque há mais de uma década, é reconhecidamente uma das grandes vozes do jazz contemporâneo. A cantora estreou a sua discografia com o disco “Praia” (Inner Circle Music, 2008) e conseguiu afirmar-se pela qualidade vocal e pelo jeito muito próprio de cantar sem palavras. Tem estado envolvida em múltiplos projectos, onde se destaca o seu trabalho em dois duos: com o veterano pianista Ran Blake e com o guitarrista André Matos (o mais recente registo foi “All the Dreams”, em 2016). Nos últimos tempos Sara Serpa apresentou ao vivo dois novos projectos: na sequência de um convite de John Zorn, formou o projecto Recognition, com Mark Turner e Zeena Parkins, uma experiência trans-disciplinar que reflecte o colonialismo; e mais recentemente, estreou ao vivo o projecto Intimate Strangers, uma parceria com o escritor nigeriano Emmanuel Iduma. E tem ainda estado envolvida no colectivo We Have Voice, denunciando o assédio e a desigualdade de género no meio artístico.

Entre os seus projectos musiciais mais recentes está também o grupo que editou este disco, um trio improvável que desafia convenções: aqui temos apenas voz, saxofone e violoncelo. O título “Close up” poderia referir-se à técnica de cinema de fazer um plano fechado, focado no rosto (ou no objecto); neste caso a cantora assume que o título é herdado do filme homónimo de Abbas Kiarostami. Assentando na simplicidade instrumental, este trio trabalha uma música despida na essência, sem efeitos especiais. Neste disco a voz de Serpa encontra o violoncelo de Erik Friedlander e os saxofones de Ingrid Laubrock. Filho do lendário fotógrafo Lee Friedlander, Erik é um reconhecido violoncelista, colaborador regular de John Zorn e tem tocado com gente como Laurie Anderson, Nels Cline. Wadada Leo Smith ou Mike Patton. Ingrid Laubrock, natural da Alemanha, é uma das novas vozes do saxofone no novo século e, dos seus vários projectos, destaca-se o quinteto Anti-House (com Mary Halvorson, Kris Davis, John Hébert e Tom Rainey).

A cantora assina todas as composições do disco, num total de nove originais, que são trabalhadas com distinção. O trio estrutura e encadeia as suas vozes ao serviço das composições de Serpa, numa articulação precisa. Não há tapete musical de fundo, o trabalho do grupo é marcado pela contenção, cada um dos músicos tem intervenções controladas, numa toada quase minimal. O resultado final poderá soar um pouco austero, estranho até; é uma música serena, delicada, circunspecta, como não há igual; e, criativamente, estilhaça fronteiras, viaja para além do universo habitual do jazz. Mais um volume para uma discografia cada vez mais rica e diversa, por uma uma cantora que desafia convenções em busca de uma música original.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
26/11/2018