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Haēma Preamar

2018


É inevitável: um português tem que amar o mar. Faz parte da nossa identidade, como povo. As agruras e felicidades que o mar nos trouxe, as histórias dos marinheiros que abandonaram as suas famílias e encontraram novos mundos, os pescadores que fizeram pela vida em viagens mais ou menos tenebrosas, os emigrantes que o navegaram, as Mensagens que os poetas lhe dedicaram; tudo isso está-nos impregnado no sangue. E o sangue, é certo, pinga nas artes. E se nos lembrarmos de que não existe "amar" sem "mar"... Sem sombra de dúvida - inevitável.

As Haēma, duo constituído por Susana Nunes e Diana Cangueiro, recorreram ao seu sangue e criaram Preamar, um álbum conceptual sobre essa massa de água que dá vida à humanidade. Uma humanidade bem presente nos samples de conversas alheias que utilizam, nos versos que cantam, na história que imaginaram. Encaremo-lo, ao disco, como uma viagem absoluta: a partida assinalada na "Aurora", por entre o som das gaivotas e dos barcos, rumo a "01101101 01100001 01110010" - que, em linguagem binária, se lê "mar". O novo e o velho, o digital sonhando com o analógico.

Há inúmeros códigos por desvendar em Preamar, o que só faz desta uma viagem ainda mais rica - como diria o famoso Calvin, há tesouros em toda a parte. Mas é nas canções mais "directas", aquelas que conseguimos ler e entender à partida, que as Haēma se elevam. O exemplo máximo: "Lótus", um tema magnífico alicerçado na voz de Susana, cujos rasgos drum n' bass (que também se escutam em "Terra Seca") providenciam uma excelente surpresa - como um James Blake arriscando a sério nos instrumentais que cria.

É esse o ponto alto de uma viagem que conta ainda com um "Canto Da Serpente" a guiar-nos por entre a escuridão e solidão marítimas, que passa por "Ilha"s e "Terra"s "Seca"s, e que finda na certeza da existência de "Águas Mil", antes de um silêncio resultar no último suspiro do álbum - "FQ20171127". No seu todo, Preamar é um disco aventureiro, inspirado pela magia do azul que nos rodeia, português na sua essência e poético na sua concretização. Andávamos a precisar de algo assim.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
28/05/2018