bodyspace.net


The Sunflowers Castle Spell

2018
Stolen Body Records / Only Lovers Records / O Cão da Garagem


Há uns dias, estava eu tranquilamente a arrumar as minhas compras no carro, no parque de estacionamento do Continente, quando ao meu lado surge uma tipa que, a 10km/h, espeta a sua carrinha contra o muro que separa o parque da estrada. Estava a falar ao telemóvel, a moça, e distraiu-se. Estava demasiado absorta na sua conversa, cujo conteúdo desconheço e considero inútil para a história. Passados dois minutos, vou a conduzir ao som de "Castle Spell" e quase atropelo uma pessoa. Distraí-me. Estava demasiado absorto no meu rock.

Eu digo "no meu rock" mas na verdade este rock é de todos. É o rock dos Sunflowers, dupla portuense que, depois de um longo périplo pela Europa, regressa com um disco novo, sucedendo assim a The Intergalactic Guide To Find The Red Cowboy e fazendo-me, fazendo-nos, acreditar uma vez mais no poderio imenso de uma guitarra eléctrica. Porque, no caso deles, basta mesmo só uma, e uma bateria. Para fazer barulho, daquele barulhinho bom que aquece a alma e nos leva a crer que dias felizes existem mesmo quando todos os outros parecem discordar, não é preciso muito.

E, com pouco, os Sunflowers fazem muito barulho. Têm dentro deles toda a energia rock dos seus antepassados, e até alguma daqueles que lhes hão-de suceder (porque, infelizmente, tudo o que é bom parece acabar cedo. Esperemos que não, no caso deles). Têm a energia de um Elvis gingão, de um Hendrix endiabrado, de uns Pistols ou de uns Cramps dispostos a chocar, de uns Nirvana que somaram isso tudo e adicionaram-lhe aquela lufada de espírito juvenil. Têm todas as garagens e todos os alienados do mundo dentro das suas canções. Têm a chama, e a chama, em itálico para salientar a coisa, não se apaga facilmente - nem debaixo de todos os dilúvios do mundo.

Nestas coisas da música um gajo tende a exagerar - «aquele artista canta a minha vida», «aquela artista salvou-me», «aqueles tipos ensinaram-me o que tudo era», etc., etc., patati, patatá. Mas não seria música sem exagero. Não seria aquela coisa transcendente e universal. Seria apenas uma massa de ar quente estudada por meteorologistas com maior ou menor grau de surdez. E é por gostar de música que exagero e que acho que os Sunflowers são a melhor coisa que aconteceu ao rock, especialmente ao rock tuga, em muito tempo (ex aequo com as Pega Monstro) - um casal que se está bem a cagar para aquilo que tu pensas e que se limita a homenagear os Deuses com duas mãos cheias de temas a roçar liricamente a palermice, de castelos a videojogos ao surf a um milkshake antropomórfico (sobre esta última ainda não decidi se é a melhor ou a menos boa do disco. Lá chegarei).

Castle Spell não é uma chapada na cara, ao contrário de The Intergalactic Guide To Find The Red Cowboy; é uma dose pura de adrenalina, o som de uma banda a acontecer diante dos meus e dos teus olhos, o som de uma banda que sabes que nunca irá crescer muito mais do que isto - não por sua culpa - mas que sonhas, sei lá, ver um dia a pisar os grandes palcos do mundo lado a lado com aqueles que os inspiraram; o som de uma banda rafeira, destinado a fãs de rock rafeiros, orgulhosos dessa sua condição porque no fim das contas quem quer ser normal?; o som de uma banda que não precisa de maior fórmula do que esta - uns acordes e um ritmo e velocidade extra; o som de uma banda que fica para a TUA história, e para além dessa nada mais interessa. O som de uma banda que te adocicará para sempre a juventude. Isto é rock, caralho. Bem-vindos ao rock.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
07/02/2018