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Albatre A Descent Into The Maelström

2013
Shhpuma


Grosso modo existe, tanto nas cabeças de quem escreve como de quem lê, a ideia (quase como um estereótipo, se é que lhe poderemos chamar assim) de que a crítica jazz tem obrigatoriamente de ser diferente da escrita pop/rock; os agentes culturais e outras forças externas incutem-nos essa percepção de que a primeira é mais erudita, e por conseguinte deverá ser analisada de forma mais cuidadosa, minuciosa, do que o simples disco rock de massas. Não enveredemos, contudo, por esse género de discussões - estas linhas são apenas um prefácio ou uma justificação para o que se segue.

O facto é que projectos como os Albatre - que não são os primeiros nem serão os últimos a pegar na feeria rock e a misturá-la com improvisações ou incursões pelo jazz - obrigam-nos a pensar nisto: que recursos estilísticos poderemos nós, os que escrevem, empregar? Importa falar de A Descent Into The Maelström com a loquacidade e literacia que nos merece, estudando estas peças academicamente, ou, do alto da nossa juventude eterna e rebelde, exorcizar Lester Bangs e descrever/elogiar o disco de Hugo Costa (saxofone alto), Gonçalo Almeida (baixo eléctrico) e Philipp Ernsting (bateria) por aquilo que nos faz sentir, inserindo a caralhada certeira no final de um qualquer parágrafo?

Dado que uma crítica é pessoal e intransmissível a não ser que estejamos a falar da Pitchfork e do seu rebanho hipster, opte-se pela segunda - pedindo desde já desculpa a quem se sentir ofendido ou enganado - porque 1) o autor destas linhas não é académico nem pretende sê-lo e 2) o autor destas linhas é um jovem eterno e rebelde do rock n' roll. A Descent Into The Maelström é um híbrido excelente, uma daquelas provas de que o casamento interracial é algo de belo. Há um qualquer tema náutico na sua génese mas não interessa, porque temos que indubitavelmente falar da forma de tocar incendiária de H. Costa, e esta analogia seria um paradoxo absurdo ou um enorme erro de cálculo, já que o fogo não se dá bem com a água.

O destaque, contudo, vai todo para o baixo (já que a crítica é pessoal assuma-se desde já um fetiche por este instrumento) e para o riff pesado que o próprio começa a esgalhar ali por volta dos três minutos de "Maelström", cru e eléctrico, acompanhado por percussão enérgica - julgamos estar num moshpit até que o chiar do saxofone em "Aphotic Zone" nos traz de volta à realidade. Este é um disco de jazz, ou lançado por uma editora de jazz, por isso não podemos dizer que isto nos arrepia a espinha. Ou se calhar até podemos. Daqui até final A Descent... continua a corroer-nos as veias com mais da mesma brutalidade, passando pela carícia stoner de "Vampyroteuthis Infernalis" e finando em "Albatrossia", esgotados todos os adjectivos doutos. Venham então os populares: isto é do caralho.


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
06/02/2013