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Shabazz Palaces Black Up

2011
Sub Pop


Poderá ser pouco consensual, mas um dos ângulos seguros para perceber e apreciar um disco como este é ignorar – no global – tudo o que o hip-hop representa actualmente. Por nunca ter feito parte dos grupos que amiúde discorrem afincadamente sobre vacuidades quotidianas – resumindo a "arte" ao desfile das suas vaidades pessoais –, Ishmael Butler relembra como o hip-hop pode ser atrevido sem ser fútil, que pode veicular valores sem os comercializar impiedosamente ou que a vida pode ser abstracta quando a alma tem dificuldades em ser objectiva.

Black Up não pretende regressar a qualquer origem, vandalizar o passado ou empilhar tipologias em nome de uma qualquer fútil modernidade, palmilha, antes, numa mantra com uma ideia em mente: traçar o futuro sem ignorar o elemento substancial que não faz do homem um vulgar animal. O tom não é óbvio, optando com frequência pelo lado negro, pesaroso, claustrofóbico, paranóico. Mérito haja na arte de Butler que mesmo assim consegue fluir uma estranha beleza que hipnotiza os sentidos. Em boa parte, é assim se apresenta a mais recente especulação sonora do ex-Digable Planets, cheia de contradições nas certezas, belezas ocultas, contrastes invulgares, passando para o ouvinte as mesmas sensações sem quaisquer impugnações. É difícil ficar indiferente perante um disco que deve dispensar rotulagens.

Está visto que não é disco que desperte o amor no instante mais imediato. Black Up é complexo e disso não deverá haver dúvidas. O fluir das rimas é irregular, despojado de redundâncias, sintético, competente por perceber o poder do verbo no minuto certo. A produção, essa, está naqueles pícaros da proficiência por ser económica, feia nas arestas, certeira na harmonia nuclear, beats desconchavados, sintetizadores delirantes, bizarras montagens jazz, texturas imprecisas, vozes perdidas no vórtice da insanidade.

No bater do coração de Black Up tudo é muito inesperado, rude, pungente, mas nada se dispõe ao acaso na matriz afro-americana semi-enviesada que Butler tão bem conhece. Sim, é estranho o que por aqui se passa – até a escolha da editora é inusual –, mas é tudo bom, sem maquilhagem frívola, genuíno na altivez, puro no sentido da aventura. Alguma honestidade que falta ao hip-hop actual está aqui, sem trela. É o que dá quando se pensa fora da caixa.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
07/09/2011