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Justice

2007
Ed Banger


Não serão desprovidas de sentido as comparações dos Justice aos Daft Punk. Nem que esta dupla francesa soube, à sua própria maneira, fazer a síntese dos três álbuns originais de Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo. Ou que sejam considerados os filhos legítimos de um french touch da era Homework. Nada poderá ser considerado um disparate se atendermos ao facto que estes dois jovens franceses, os Justice, foram, durante a adolescência, influenciados pelo som house/funk híbrido de uma série de projectos gauleses e que o fascínio pela manipulação filtrada de sons disco lhes tenha ficado gravado no DNA artístico.

Depois de uma série de experiências em EPs e algumas remisturas – entre elas Human After All dos Daft Punk –, chega finalmente o álbum de estreia. Aguardado por uns e olhado com desconfiança por outros, o aglomerado de originais numa única “rodela” é a prova definitiva da capacidade de erguer, de forma conceptual, um registo coerente, onde acima de tudo, um projecto consiga fazer valer os seus propósitos, as suas ideias e traga ao mundo uma mensagem que marque o maior número de espíritos.

Xavier de Rosnay e Gaspard Auge fazem parte de uma nova geração que depois do fascínio pelo house do french touch, encantaram-se pelos revivalismos new-wave e electro-pop e desenvolveram a sua base de trabalho em torno de vários mitos, tendo concentrado energias num rock em espiral visto e revisto à luz das novas electrónicas. Os resultados foram irregulares, mas enquanto alguns morreram no desembarque, outros souberam atravessar o deserto criativo e encontrar um porto seguro onde a sua linguagem singular pudesse sobressair em relação aos demais.

Os enigmáticos Justice atingiram um patamar onde, através da Ed Banger – que desde 2002 é uma das mais activas editoras electro francesas –, ergueram uma sonoridade homogénea onde laivos de rock robustos assentam sobre ritmos funk e melodias disco. Nada de novo, dirão muitos. Mas as pulsações nervosas dos sintetizadores – a lembrar um live rock –, os estranhos encaixes sonoros retro, a pungência da estrutura rítmica e os delírios disco marcaram uma identidade musical que os Justice souberam explorar a seu favor.

Conotados com uma house suja, agreste e ácida, a dupla reúne neste – ou seja lá qual for o nome que queiram dar – um conjunto de temas bem equilibrados onde Homework, Discovery, Human After All e os diversos trabalhos das extintas editoras Rolé e Crydamoure são as melhores referências estéticas. Não abonará muito a favor da criatividade e originalidade, mas a destreza em como pegam no legado dos Daft Punk e o atiram contra a parede é divertido e bem enteretido. Veja-se o caso dos três primeiros temas ("Genesis", "Let There Be Light", "D.A.N.C.E.") para depressa chegar-se a essa conclusão.

A aspiciência da dupla é limitada, mas se o objectivo é trazer à superfície o bom electro/house francês então o objectivo foi concretizado. O disco é festivo e alegre sem que o kitsch disco arruíne o ambiente, é contagiante sem resvalar para o mainstream a que nos habituamos, é provocante pela estranha e bruta sensualidade que emana. não possui o brilhantismo de Homework, mas por perplexo que possa parecer, os Justice possuem agora o que os Daft Punk perderam se não tivessem feito um terceiro disco por frete.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
28/06/2007